O candidato Ciro Gomes tem, de longe, a campanha mais inteligente e estratégica da temporada.
Lançou uma alavanca de alto apelo popular para projetar seu nome no mercado eleitoral, sem espaço de imitação por outro candidato que não queira cair no ridículo: o socorro aos 63 milhões de endividados no SPC.
Cedo percebeu que seria o herdeiro mais factível dos votos de Lula, prevendo a inviabilidade de sua candidatura e de seu substituto. E que ao mesmo tempo precisava estender pontes para a direita, atrás de tempo de TV, dinheiro e da capilaridade que seu partido não tem.
Começou a campanha em cima de um discurso petista contra todas as reformas de Michel Temer. Ao mesmo tempo que acenava à esquerda ameaçada de orfandade, tentava laços com o centrão à direita batendo no PT mas preservando Lula.
Apostava numa demanda real da campanha atual por um articulador maduro, preparado e experiente que pusesse fim à polaridade esgotada de PT/PSDB, no mínimo aproveitando o que fosse possível dos dois lados.
Passou por oportunista e contraditório e acabou perdendo pontos, não só por sua retórica destemperada e assustadora.
Mas à medida que teve espaço para se explicar, em entrevistas e debates, na imprensa, nas redes sociais ou nos encontros, ajustou um discurso calibrado — e mais contido verbalmente — para não assustar nenhum dos dois lados.
Era “meu amigo pra cá”, “meu amigo pra lá”, delimitando distância apenas do adversário eleito, Bolsonaro, e do lado ruim dos dois polos: o centrão fisiológico e o petismo religioso.
Suas propostas de reforma da Previdência e Trabalhista, e mesmo alguns do que pareciam delírios de estatização, passaram a ser mais assimiláveis pelo empresariado sem desiludir a esquerda, quando devidamente explicadas.
Sua definição de Lula no Jornal Nacional, que passou a repetir, foi o melhor exemplo de sua tática do equilíbrio, que expurga as pontas ruins com o malabarismo de não desagradar nem a direita e nem esquerda esclarecidas.
Sem negar os avanços do ex-presidente, de quem foi ministro, mandou mais ou menos assim:
— Lula não é o satanás que a imprensa e certos setores da direita pouco esclarecida quer fazer crer e nem o santo que certos setores religiosos do PT glorificam.
No momento, parece convencido de que só há uma vaga para um candidato de esquerda no segundo turno e que esse candidato é ele.
Com dose razoável de razão, já que, sem Lula, é de longe o candidato mais promissor do Nordeste, onde nasceu, cresceu e fez carreira bem sucedida como prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. Onde o herdeiro de Lula, o arrumadinho Haddad do sudeste, terá mais dificuldade de penetrar.
Por isso, parou de tratar Geraldo Alckmin como amigo, reforçou a posição de Bolsonaro como inimigo preferencial e subiu o tom à esquerda para puxar o petismo descrente de Haddad. Para, claro, consolidar a posição de herdeiro de Lula no Nordeste, onde o ex-presidente nada de braçada, com até 90% de aprovação em alguns estados.
Articuladíssimo, rápido no gatilho para contestar, resumir, acrescentar, se promover e escolher frases de impacto contra inimigos bem escolhidos para ganhar manchetes, cresceu com nos espaços abertos, sobretudo o do Jornal Nacional.
Tomou o segundo lugar de Marina Silva e vem se despontando nas pesquisas para virar o adversário ideal de Bolsonaro ou qualquer outro que a direita consiga legar para o segundo turno.
Eu não dou uma nota de 3 reais pelo seu esquerdismo.
Ele é um jovem velho coronel do Nordeste, da linhagem de Miguel Arraes, Teotônio Vilela ou mesmo Eduardo Campos, cuja convicção social é decorrente mais da influência do meio miserável em que cresceram do que de convicções ideológicas.
Que no poder operaram à direita e pela direita com a direita, no modelo tradicional do clientelismo disfarçado de discurso social, aliados com as elites econômicas e políticas, como aliás sempre foi.
Mais esclarecidos que seus correlatos que exploraram a miséria nordestina desde sempre, travaram relações com o sul esclarecido e produziram desenvolvimento social como alternativa — elegante digamos — ao clientelismo puro. Lula, que saiu de lá para o sul, acabou um clientelista mais moderno e menos coronel.
Daí que Ciro não me mete medo e nem deve assustar a direita. Se obtiver a vaga da esquerda no segundo turno, não de todo improvável, vai se aproximar da direita e amenizar seu esquerdismo, se a alternativa for Jair Bolsonaro.
Se a alternativa for um candidato de direita mais palatável — Alckmin, Álvaro Dias, Amoêdo ou Meirelles —, mesmo assim vai amenizar o tom à esquerda para tentar atrair direitistas envergonhados como Álvaro ou Marina e disputar com um mínimo de igualdade de condições.
Jovem velho, maduro e experiente, esperto como um gato, Ciro conhece a velha máxima de que “poder é como violino, você toma com a esquerda e toca a direita”.
A máxima adorada ou incorporada por gerações de políticos, a ponto de não se saber mais de quem é a autoria, só se consolidou porque é a mais pura verdade.
Candidatos só crescem se prometem atender as necessidades básicas de teto, comida, emprego, educação e saúde, em que a deformação do tempo misturou idealismo com discurso social que acabou como prerrogativa da esquerda.
Lula, que fez aliança com o suprassumo do atraso para governar depois de chegar ao Palácio cavalgando a adoração da esquerda ideológica ou fisiológica, é o exemplo mais recente e mais bem acabado.
Todos os candidatos sabem disso e acenam com o eleitorado prometendo o céu. Mas só Ciro Gomes foi mais longe e mais estratégico até agora.
Nesse momento, ele sabe que precisa da esquerda. No segundo turno e, se eleito, que vai precisar da direita que paga a conta.
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