Todos que se manifestaram a favor dos sem-teto expulsos do prédio desabado na praça Paissandu em São Paulo, dos influenciadores na política, na imprensa e nas redes sociais, tiraram uma casquinha dos milicianos que exploram o aluguel desses miseráveis, mas, no geral, culparam o Estado.
Mas o que esperam do Estado?
A julgar pelas críticas, a intervenção do Estado deveria ter vindo antes para quem sabe reformar esse e outras dezenas na mesma situação na cidade, a fim de garantir condições mínimas de segurança e habitabilidade aos invasores nesses locais, ou dar-lhes moradia fora dali.
Mesmo os críticos mais duros não tiveram coragem de pedir a outra função consagrada do Estado, que é o uso da força para ter evitado a invasão e, depois da porta arrombada, ter retirado os invasores e prendido seus exploradores.
Como se sabe, há um discurso social da desigualdade que vai da esquerda à direita, com alta simpatia na imprensa e nos, digamos, influenciadores culturais. Alguma grosseria no WhatsApp quanto ao caráter dos ocupantes não conta.
Essa grande maioria quer um Estado que só cumpra parte das funções de Estado. E, pelo visto, menos aquela para o qual foi criado desde que o homem deixou a vida silvícola, fez a revolução agrícola e resolveu dar seus excedentes como imposto para construir estruturas que lhe dessem segurança e igualdade perante os outros.
Se pedissem segurança, achariam que esse Estado já deveria ter retirado os invasores de todos os prédios à força, porque se trata de invasão de privacidade.
Se pedissem justiça, levaria em consideração que trabalhadores em condições semelhantes, que ganham pouco mais que salário mínimo na construção civil, nas lojas e escritórios, pegam quatro ônibus para ir e vir, e nem por isso acham que devem invadir prédio alheio para ficar na cidade e economizar o ônibus.
Se pedissem, vá lá, a rede de proteção que o conceito moderno de Estado incorporou, teriam que exigir antes um levantamento que separe invasores com e sem renda, que, convenhamos, não tem muito efeito midiático como discurso social.
Essa visão, um tanto reacionária no panorama do discurso social dominante, faz vista grossa para o fato de que não há informações seguras de que todos ali sejam miseráveis sem renda.
É sabido que o problema da mobilidade, ruim e cara, nas grandes cidades criou grande massa de trabalhadores de rua — ambulantes, lavadores/guardadores de carro, artistas de sinal — que ganham tanto quanto ou mais que um trabalhador de menor grau, mas que não querem queimar parte da renda diária em passagens de ônibus. Mendigos de fato e viciados em drogas, sem família e sem renda para pagar aluguel aos milicianos, não devem conseguir espaço entre os invasores.
Então, é se decidir que Estado os influenciadores atuais querem. O papai que protege os filhos mais incapacitados ou o liberal que trata todos iguais, segundo as regras da lei, ensinando-os, no mínimo, a respeitar a propriedade alheia. Ou que, pelo menos, saiba distinguir uns dos outros.
Certo é que esse Estado que não faz nenhuma das três coisas — protege, pune ou separa para direcionar quem de fato deve para a rede de proteção —, e os livres atiradores na imprensa e nas redes sociais parecem pedir que eles continuem a ser protegidos onde estão.
A reportagem sobre Lula na prisão
Os simpáticos a Lula bombardeando a matéria da Veja impressa que trata da vida do ex-presidente na cadeia, sob a acusação de vazamento indevido da PF. Mas, fora o fato de que viver em 15 metros 22 horas por dia não se deseja a ninguém, é preciso dizer o seguinte:
1. O modo de investigação da matéria é muito comum no meio: o repórter entra na repartição, conversa com algumas pessoas, compara informações, tira uma síntese, publica. Acerta a maior parte.
2. Lula está sendo respeitosamente tratado. Vigias, agentes que levam refeições e faxineiros batem na porta, cuidam da qualidade da limpeza do ambiente, respeitam os horários que ele escolhe, montam um aparato para levá-lo ao sol sem o risco de ser visto/fotogragado/filmado por drones espiões.
3. Diferente dos outros presos, faz a própria disciplina: acorda a hora que quer, toma as duas horas de sol a hora que escolhe, não faz ele mesmo a limpeza. Pediu e levou TV, espera uma esteira ergométrica e um frigobar.
4. Parece de bom humor. Conversa e brinca com os agentes. Sugere em tom de blague que a juíza deveria deixar mandar umas cervejas no frigobar. Fora a programação de TV aberta no aparelho de plasma colado na parede, está com três livros e parece estar lendo por hora O Amor nos Tempos do Cólera, de Garcia Márquez.
5. Único erro visível, pelo menos o citado em nota da PF que nega que tenha facilitado, é o de que o agente do café dá manhã lhe aplicaria uma injeção de insulina. Não tem qualquer fundamento.
Deixe um comentário