A psicóloga americana ganhou fama internacional com a palestra mais vista no Ted sobre o poder da postura para moldar a mente de pessoas poderosas.
Se você é como eu que tem pavor de falar em público, digere mal comentários negativos, seja no seu blog, nos seus posts, na empresa ou na vida pública, e que por conta disso volta e meia se sente uma fraude, você tem que ler O Poder da Presença, da psicóloga americana Amy Cuddy.
Ela venceu todos os medos de não ser alguém depois de um acidente na adolescência que lhe deslocou o cérebro e anulou todo o seu conhecimento e sua identidade. Teve que reaprender tudo, procurar afirmação como se estivesse no corpo de outra pessoa e passou a estudar com ferocidade a Ciência da Presença.
Levou mais tempo do que devia para se formar, conseguiu entrar para Harvard e, com sua tese de que o corpo molda a mente , bateu todos os recordes de audiência do site de palestras Ted Talks. É a segunda mais vista até hoje, com mais de 42 milhões de visitas até na data em que escrevo, só no site, e mais outras 12 milhões no Youtube.
>>> Assista aqui: Sua linguagem corporal molda quem você é
Inspirou gente no mundo inteiro com uma sugestão pueril que virou sua marca pelo constrangimento que sugere e os resultados que provocaram mudanças em seus fãs hoje apaixonados: postar-se por dois minutos com a pose da Mulher Maravilha — mãos na cintura, peito estufado, queixo erguido —antes de qualquer situação que requeira uma presença impactante para convencer: uma palestra, uma entrevista de emprego, uma reunião de vendas.
Conta o caso de Will, um ator iniciante de alguns comerciais que entrou em pânico diante do convite para participar do filme Livre (Wild), aquele em que a oscarizada Reese Witherspoon larga uma vida de vícios para recomeçar a vida numa caminhada de 4 mil km pela costa americana.
Seu agente sugeriu que ele fosse antes ao banheiro e ficasse dois minutos na posição da Mulher Maravilha. Depois disso, enfrentou íntegro, cativante e entusiasmado a entrevista. Quando saiu e seu pai lhe perguntou se havia ganho o papel, respondeu que havia se sentido tão bem e poderoso que pouco se lhe importava o resultado.
Seu nome Will Cuddy, como o da psicóloga, palestrante e agora cientista de respeito, está nos créditos do filme.
O poder da oportunidade
Ela dá uma série de dicas, “autocutucões”, de como enfrentar o medo transformando a ansiedade em oportunidade e deixando-se de focar no resultado e poses vencedoras para todo dia e sobretudo antes de situações desafiadoras.
Alinha uma série de pesquisas comportamentais respeitáveis sobre o poder transformador do porte ereto e seu contrário, que comprovadamente abate a predisposição química do humor até de quem tem o hábito de ficar de cabeça baixa fixada no smartphone.
Se é verdade, como se sabe, que o corpo fala, se encolhe ou se estica em resposta a ordens do cérebro contra ameaças ou oportunidades, diversos estudos provam que pessoas colocadas em situações de imponência têm muito mais coragem, assertividade, capacidade de reação e interação do que as colocadas em situação de impotência.
Entre tantos experimentos, foram comparadas pessoas em posições de domínio e submissão, em posturas curvadas para ler um jornal ou eretas para visualizar um relógio na parede, por exemplo.
Ficaria a cargo delas, depois de certo tempo, tomar uma iniciativa que demandava coragem para superar certas inibições sociais. As que ficaram em posição ereta agiram mais rápido, como ela diz:
— A postura molda não apenas como nos sentimos, mas também a ideia que temos de nós mesmos — de nossa auto-descrição à confiança com que a sustentamos. E essa autoimagem pode facilitar ou bloquear a nossa capacidade de nos conectarmos com os outros, de convencer para realizarmos nosso objetivo e de estarmos presentes.
Ela cita o pai da Psicologia americana, William James, hoje nome de prédio em Harvard, segundo o qual “eu não canto porque estou feliz, eu estou feliz porque canto”, para completar:
— Nossos corpos falam por nós. Eles nos informam como e o que sentir e até pensar. Mudam o que acontece dentro de nosso sistema endócrino, de nosso sistema nervoso autônomo, de nosso cérebro e de nossa mente, sem que estejamos conscientes disso. O modo como você conduz seu corpo — suas expressões faciais, suas posturas, sua respiração — afeta nitidamente a forma como você pensa, se sente e se comporta.
Posturas moldam a mente, que por sua vez moldam o corpo, instigam poder e têm relação direta com o aumento da testosterona, o hormônio do estresse e da agressividade, em contrapartida à redução do cortisol, o do relaxamento.
Cuddy e suas auxiliares provaram que o cortisol é mais baixo em pessoas poderosas, mesmo numa situação de estresse. David Edwards e Kathleen Castro, da Emory University, constataram que as as atletas mais inspiradoras, comunicativas, esforçadas, entusiasmadas, apoiadoras e otimistas apresentavam esse estado.
Indica que pessoas aceleradas e competitivas, em que tantos os hormônios da agressividade quanto do relaxamento estão altos, não parecem ter a tranquilidade necessária para serem vitoriosas.
Os efeitos da postura vencedora foram comprovados em paralíticos, vítimas de estupro na África e em pacientes de transtorno pós-traumático (TEPT), em geral ex-combatentes.
Tal é a convicção de como pode influenciar o cérebro, que pesquisadores fizeram testes bem sucedidos com Botox em homens e mulheres para alívio de depressão, na expectativa de que aliviar as tensões da região da testa acalma o cérebro.
— Assim como encenar determinadas expressões desencadeia as emoções correspondentes, impedir tais expressões pode bloquear as emoções. Quando franzimos a testa, certos músculos nela — que Darwin denominava músculos da tristeza — são ativados. O Botox (toxina botulínica A) paralisa temporariamente esses músculos, reduzindo assim as rugas na testa e entre as sobrancelhas. A paralisia temporária também reduz o feedback desses músculos para o cérebro.
O problema é que, como o Botox afeta outros músculos e rugas relacionados a emoções negativas e positivas, que contraem simultaneamente os mesmos músculos envolvidos no franzir da testa e no ato de sorrir, pesquisas identificaram um curto circuito que sugeriam reações opostas. A, pior, uma redução da capacidade de o cérebro das pessoas com Botox de identificar as emoções alheias.
— Como explicar essa dissociação? Ela ocorre porque uma das formas básicas de decodificar as emoções dos outros é imitando automaticamente suas expressões faciais. Na vida diária, essa imitação é tão sutil e breve (leva um terço de segundo) que nem sequer nos damos conta de que está acontecendo. Mesmo assim, pela magia do feedback facial, essa imitação permite-nos sentir e entender as emoções. Mas a toxina botulínica A, ao desativar nossos músculos faciais, impede esse processo.
Poder da presença
A questão de estar totalmente presente em situações de alta exposição em que se teme o julgamento do interlocutor ou da plateia é o cerne do livro escrito a partir da repercussão da palestra, dos depoimentos que colheu e das dezenas de pesquisas que amealhou para provar que é possível chegar a um estado de plenitude que vence o medo e a posturas físicas que podem produzir esse estado.
Que ela chama de “eu sincrônico”:
— A Presença advém de acreditar e confiar em si — em seus sentimentos, valores e habilidades reais e genuínos. Consiste em enfrentar seus maiores desafios sem medo e sem ansiedade e sair deles sem arrependimento.
Um dos melhores exemplos e principal desafio é conhecido no mundo acadêmico e nos manuais de motivação como “venda de elevador”, aquele minuto ou menos que você tem para impressionar alguém que pergunta “o que você faz” entre um andar e outro.
É preciso ter muita convicção, advinda da segurança de seus sentimentos, valores e habilidades, para dizer, como eu diria hoje nos 30 segundos que me dariam entre um andar e outro: “sou um comunicador que pretende ensinar pessoas a comunicar-se com eficiência através do corpo, da fala e do conteúdo para conquistar e manter poder”.
É o inverso do que o filósofo Denis Diderot, do século XVIII, chamava de “o espírito da escada” (l’sprit d’escalier), aquela sensação de frustração que advém quando você está descendo os degraus e, ao pé da escada, se lembra da réplica espirituosa com que poderia ter retrucado o interlocutor. Só que é tarde demais.
Tamanha segurança advém da capacidade de estar de fato presente e não escapar para o passado ou o futuro em julgamentos precipitados. Evitar em situações intimidantes como falar em público a confusão mental que a blogueira Maria Popova, citada por Cuddy, chama de “aquele caldeirão fervilhante eternamente calculista e autocrítico de pensamentos, previsões, ansiedades, julgamentos e meta-experiências incessantes sobre a experiência em si”.
É algo como não racionalizar, mas deixar fluir. Se ater ao durante e não ao resultado. Como disse o filósofo britânico Alan Watts, autor de A Sabedoria da Insegurança:
— Para entender a música, você precisa escutá-la, mas, à medida que começa a pensar ‘estou ouvindo essa música’, você não está ouvindo de fato.
Cuddy acrescenta:
— Quando se está numa entrevista de emprego pensando ‘estou numa entrevista de emprego’, você não consegue compreendê-la, envolver-se plenamente com o entrevistador nem apresentar o seu eu real, brilhante, arrojado e relaxado.
Poder de influência
Pessoas nesse estado de plenitude, que se acham poderosas, projetam paixão, confiança e entusiasmo. São membros dominantes que, conforme a autora, “têm a capacidade de alocar recursos, influenciar as decisões do grupo, fixar normas de conduta, incitar conflitos e resolver litígios”.
São pessoas mais protetoras, conectadas, sincronizadas, ativas e criativas, porque mais corajosas e generosas, na medida em que menos suscetíveis a julgamentos pressões e externas, capazes de ver oportunidades nas ameaças, ter menos preconceito e não precisarem, como os impotentes, de adaptar o comportamento às expectativas percebidas.
Em outra pesquisa, entrevistados colocados por um tempo em posturas de dominação e submissão foram instigados depois a descreverem quem entrava e saía durante o experimento. Numa prova de que os de postura dominante são menos suscetíveis à opinião alheia, foram eles que tiveram mais dificuldade de descrever detalhes dos intrusos.
Tendo motivos para se sentir uma fraude, como ela mesmo admite, Amy Cuddy se impressionava como que pessoas com doutorado, prêmios e uma carreira vitoriosa pudessem também se sentir assim.
Cita o caso de tantos alunos, dos tantos fãs que lhe procuraram depois de sua palestra vitoriosa e dos depoimentos que colheu de celebridades que em tese não teriam qualquer motivo para se sentirem uma fraude. Como a atriz Julianne Moore e seus percalços de insegurança diante do convite para fazer Para Sempre Alice, onde, plena, levou o Oscar.
Tem a ver com baixa estima, aquele medo paralisante de ser julgado, de antecipar como será julgado, que Cuddy traduz como:
— …a crença profunda e às vezes paralisante que nos deram algo que não conquistamos nem merecemos e que em determinado momento seremos desmascarados.
O que os psicólogos, lembra ela, chamam de Síndrome do Impostor, que define uma experiência interior de falsidade intelectual e acomete mesmo as pessoas mais brilhantes, no topo da carreira ou do sucesso.
Como, em outro caso, o de Natalie Portman, outra vencedora do Oscar, que no discurso para os formandos de Harvard em 2015 parecia não ter ainda superado a sensação de impostora:
— Hoje me sinto quase como no dia em que entrei para Harvard, em 1999. Eu achava que tinha havido algum erro, que eu não era suficientemente inteligente para estar aqui e que toda vez que eu abrisse minha boca teria de provar que não era apenas uma atriz burra.
Presença não engana
Mas postar-se como Mulher Maravilha funciona para todas as pessoas em todas as situações? Claro que não, diz autora.
— Não existe intervenção capaz de servir para todas as pessoas em todas as situações. O que mais quero que você entenda é que seu corpo está contínua e convincentemente enviando mensagens para seu cérebro e você precisa controlar o teor dessas mensagens. (…) A forma como você se conduz é uma fonte de poder pessoal — o tipo de poder que é a chave para a presença. É a chave que permite a você se liberar – liberar suas habilidades, sua criatividade, sua coragem e até mesmo sua generosidade.
Não faz de você quem você não é:
— Não é algo que lhe dá habilidades ou talentos que você não possui, mas que o ajuda a compartilhar aqueles que você tem. Não o torna mais inteligente ou mais bem informado, mas deixa-o mais resistente e e aberto. Não muda quem você é, mas permite que você seja quem é.
E nem é possível enganar todos o tempo todo. Boa parte do livro mostra como que, uma vez que as pessoas intuem a confiança mais pela linguagem corporal que pela fala, não funciona tentar seduzir sem honestidade.
Paixão, confiança e entusiasmo não podem ser simulados, como diz Cuddy,
— Quanto tentamos simular confiança ou entusiasmo, as pessoas conseguem perceber que tem algo errado, ainda que não saibam o quê.
Ou: “mentiras vazam”, como diz Paul Ekman, em Telling Lies.
Como o corpo molda a mente, ela admite no máximo que é possível, como repete quase como um mantra, “fingir até virar verdade”. Finja-se como Mulher Maravilha que acabará virando verdade.
Donde só é possível uma presença efetiva quando se tem a tal sincronia de valores, sentimentos e habilidades, porque, como se sabe, o corpo que fala também trai.
Postar como a Mulher Maravilha, espécie de metáfora das tantas posturas poderosas que se deve ter no dia a dia, ajuda a construir aquela integridade de espírito que vai permitir a pessoas como eu e você encarar sem medo uma plateia, seja a que está em frente ou escondida atrás dos comentários que nos fazem mal.
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