Em junho deste ano, a polícia de São Paulo conseguiu resgatar das mãos dos traficantes um de seus membros que estava por ser executado, alguns dias depois de tortura, fome e frio. Ele havia sido arrebatado por um Disciplina do Primeiro Comando da Capital (PCC), por ter sido descoberto em colaboração com a polícia.
Um caso de caguetagem, que no mundo civilizado do nosso sistema penal se dá o nome de “delação premiada”, mas que no da barbárie do narcotráfico é premiada com morte atroz.
Atrás da história, a revista Época fez uma grande reportagem sobre a descoberta do cemitério clandestino dos réus, na Mata da Cerejeira, e a existência de um tribunal bastante organizado de julgamento de grandes a pequenos delitos, com diferentes instâncias e variados graus de punição.
Espécie de juiz de primeira instância, um Sérgio Moro, digamos, o Disciplina arrasta o “arrebatado” para um esconderijo onde, na presença às vezes do “lesado”, se dá o “debate” que no Judiciário formal se chama sessão. Os próprios moradores levam as queixas, até por medo de serem punidos se resolverem os problemas por conta própria, como diz o delegado da 6a. Seccional, Mitiaki Yanamoto.
No caso de pequenas transgressões, brigas de vizinhos ou pequenos roubos dentro da própria comunidade, o Disciplina tem autonomia para resolver com um puxão de orelha, um “cacetete” de pau ou alguma intervenção mais forte, como raspar os cabelos ou quebrar partes do corpo, braços ou pernas.
Para casos mais graves, como traição, estupro ou pedofilia, ele tem que recorrer a uma instância intermediária, um tribunal regional digamos, a Sintonia Geral, encarregada de avaliar a gradação da punição. Em caso de decisão por morte, ela só pode ser sacramentada pelo Sintonia Geral Final, um tipo de STJ ou STF, um staff de comandantes em geral presos, a que recorrem por celular, durante o “debate”.
— Hoje, para matar alguém é a maior burocracia — resumiu em 2011 Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, numa conversa ao telefone captada pela polícia.
Essa instância moderadora contribuiu para reduzir drasticamente os índices de criminalidade no Estado — de 33,3 por mil habitantes em 2001 para 8,73 em 2015, um terço da média nacional e pouco acima da mundial (6,2) — e a projetar o PCC como a mais poderosa organização do tráfico nacional, com forte influência na maioria dos 2,7 mil presídios do país e em oito países da América Latina, com estimados R$ 240 milhões de faturamento anual.
Claro que pesaram medidas de combate e reestruturação levadas a efeito pelos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, mas a tese está em estudos importantes e tomou parte das discussões de um seminário promovido em junho pela escola de negócios Insper, com pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos e da Inglaterra.
— Até por uma questão política, para o Estado é difícil admitir que uma organização criminosa esteja por trás disso — disse à revista Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz. — Mas, diante de tantas evidências, não podemos negar a relação.
— Reduzir homicídios na área de atuação é uma característica dos crimes organizados, disse o procurador Márcio Sérgio Christino, autor de Por dentro do crime: corrupção, tráfico, PCC. — Não só aqui no Brasil, mas na Itália, no Japão… Nas áreas em que a Yakuza domina no Japão, não há crime, a não ser aqueles que eles mesmos permitem.
— A regulação do PCC é o principal fator sobre a vida e a morte em São Paulo — disse a El País o canadense Graham Willis, professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra), que acompanhou a rotina de policiais em São Paulo, entre 2009 e 2012. — O PCC é produto, produtor e regulador da violência.
Para Camila Nunes Dias, socióloga da Universidade Federal do ABC e autora de PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência, em entrevista à BBC:
De forma até paradoxal, a queda dos homicídios se deve justamente porque em São Paulo o crime está muito mais organizado do que nos outros estados. Quando você tem uma criminalidade organizada o homicídio perde espaço, deixa de ser uma prática tão comum para a resolução de conflitos no âmbito das atividades ilícitas.
Poder em expansão
Por coincidência, os tribunais começaram a ser implantados no início dos 2000, sete anos depois do massacre do Carandiru e da fundação da organização, sob o lema “Paz, Justiça e Liberdade”. Uma reação dos comandados contra a hierarquia tirânica dos chefes incluiu no lema a expressão “Igualdade”, como conta a pesquisadora Karina Biondi, antropóloga que radiografa a facção em seu Tudo Junto e Misturado – Uma Etnografia do PCC.
O PCC transportava agora sua bem azeitada e democratizada disciplina de dentro dos presídios para as comunidades, de forma a pacificá-las a seu jeito e reduzir a tensão com a polícia.
Até por estratégias de mercado. Como diz o procurador Márcio Sérgio Christino, “o interesse final é o ganho financeiro, tudo o que atrapalha o crescimento patrimonial é reprimido”.
O ano de 2006, quando o PCC parou São Paulo e colocou de joelhos o governo sob uma série de ataques terroristas contra postos policiais, pode ser considerado o ponto de virada nesse sentido, o marco de mudança de paradigma que reforçou a convicção e a estratégia que viria dar grandes resultados para a facção, suas comunidades e o Estado.
Depois disso, se consolidou se expandiu como a principal República do tráfico, distribuindo seus métodos e franquias pelo país e para fora dele, por bem ou por mal.
Por bem. Numa grande matéria no El País de 29 de agosto último, o repórter Gil Alessi mostrou como a associação com o CV devolveu a paz à periferia de Fortaleza:
Com a chegada do CV e do PCC, assaltos no bairro foram proibidos, e o ciclo de vinganças provocado pelas gangues foi interrompido. Homicídios, que eram parte do cotidiano, aos poucos se tornaram uma lembrança, ainda que não tão distante.
Por mal. Em junho, mercenários ligados a grupos paraguaios e ao PCC usaram metralhadoras e armamentos antiaéreos para matar Jorge Rafaat Toumani, o rei do tráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. O posto, que já foi de Fernandinho Beira-Mar, domina um dos principais corredores de transporte de maconha e cocaína da América do Sul.
Há algumas semanas, o sistema de segurança do Rio de Janeiro ficou em polvorosa com escutas telefônicas dando conta de que a organização já tem um esquema avançado de cooptação de líderes de diversos presídios cariocas para avançar sobre o território do Comando Vermelho, o sócio com quem mantinha uma política de boa vizinhança dentro dos presídios desde os anos 90.
Gledson Fernandes, o Fantasma, condenado a 20 anos por diversos crimes, comanda a partir da penitenciária de segurança máxima de Piraquara, no Paraná, teleconferências com presos de diversos presídios do interior do Rio, oferecendo os benefícios do PCC: assistência jurídica, empréstimo de armas e drogas, apoio no Brasil todo e nos países onde tem ramificações, além de melhoria nas condições na prisão, de TV de plasma a frango frito.
O bem informado O Iguassu Del Paraná descobriu que o PCC também oferece aos seus integrantes seguro médico e funerário, caso a empreitada criminosa de errado.
Em troca pede fidelidade, a aceitação do estatuto do comando e uma caixinha mensal de 400 reais, que serve para sustentar os irmãos presos. Veta-se o consumo de crack e questiona-se a possibilidade de o novo membro ser homossexual.
Atrás do esforço para conquistar uma das raras fronteiras em que não havia penetrado, por respeito aos antigos sócios, está uma estratégia já mais sofisticada de negócios que tenta eliminar ou domar um sócio incômodo e prejudicial aos negócios.
República do tráfico
Espécie de PT, mais guerrilheiro e mais dividido, cheio de facções em disputa na infindável guerra de territórios, o Comando Vermelho não faz mais o estilo, digamos PMDB, de expansão silenciosa, enraizamento e domínio por disciplina e boa vizinhança com a polícia.
Acrescenta a pesquisadora Karina Biondi em entrevista a Camila Montagner do site Outra Cidade:
Notamos como principais diferenças o caráter territorial do CV, ligado ao tráfico de drogas, com presença ostensiva nas comunidades, em contraposição ao PCC, que não é fundado no tráfico e cuja atuação nas ruas é o mais discreta possível. Para se ter uma ideia, não se vê armas nas periferias de SP. Não é bem visto. Também não há a figura de um dono de morro, como se vê no Rio de Janeiro.
O espírito empresarial, tentacular e de vocação multinacional para a corrupção, como uma Odebrecht, de contabilidade e lavanderia de dinheiro em negócios de fachada, não combina mais com o sócio anacrônico que ainda esconde dinheiro em buraco de parede.
Também explica as pretensões expansionistas que provocaram as reações do CV em parceria com seus inimigos no norte e no nordeste.
Em outubro, quando outras rebeliões haviam se irrompido em estados então pacificados pelo modelo PCC, em Rondônia e Roraima, a socióloga Camila Nunes Dias já havia detectado uma reconfiguração de poder entre as facções. A paulista e o CV mantinham um pacto para a compra de drogas e armas e proteção mútua nas fronteiras que parecia estar se rompendo.
O que veio a se confirmar com a chacina de Manaus, tocada pela Família do Norte, aliada do CV, e a reação em seguida, no contra-ataque do PCC, novamente em Roraima, ontem.
A República contra-ataca para preservar a força que vem se expandindo há 23 anos, sem inimigo à vista, a não ser, como ocorre em política, nas traições de seus próprios aliados.
O Estado, ao julgar pela competência com que a enfrentou nesse período, não é um respeitável inimigo a considerar, que lhe faça mais do que cócegas.
A não ser que surja, como se já vem cogitando, no universo do combate ao crime, uma força tarefa similar à da Lava Jato e um juiz como Sérgio Moro.
Jfer diz
Muito forçada sua digressão. Arrumou um jeito de enaltecer governos paulistas, que fizeram nada mais que um combinado. Nós deixamos vocês “trabalharem ” e vocês nos deixam “governar”. Meteu sem nenhuma necessidade a Odebrech no meio, esquecendo da grande capacidade técnica de seus engenheiros e funcionários( não confunda administradores bandidos com empresa incompetente), meteu o PT no meio, sendo que a grande expanão do PCC se deu em governos estaduais tucanos. Enalteceu o juiz de Curitiba fazendo coro a uma grande parcela da população que tem por hábito cultuar personalidades dando aos mesmos atributos que não tem. Basta ver que nem sua corriqueira atividade é cumprida com a insenção e decoro consoantes ao cargo que ocupa. Basta ler o Codigo de Ética da Magistratura. Pois é, menos tendenciosidade e mais insenção fariam bem ao jornalismo
valdir diz
Pois é Thiago! Não sei dizer quem são os piores bandidos deste país. A imprensa com certeza ocupa lugar de destaque. Por exemplo esse “articulista”, que não perde oportunidade para a generalização, PT sinônimo de bandidagem; FHC, Aécio, Serra, Alckmin, Temer e seus aliados tudo gente boa. Uma dúvida: considerando que crime seja o fato e não a pessoa que o pratica, como então entender a expressão “crime organizado”? Os fatos não se organizam, mas sim os criminosos. organizados. Viva a nossa imprensa Pig.
Thiago diz
Chacina de Roraima ontem em contra-ataque do PCC à FDN? Espécie de juiz Sérginho Paraná amigão do Aécio? Nada além de uma espécie de editorial sem revisão ortográfica, escrito por um simpatizante coxinha tucanalha. Fraco, fraquíssimo.com.br!!!
Cristiano Marques diz
Vai entender.