Os prefeitos das três principais capitais que se elegeram se apresentando como antipolíticos tomaram posse anunciando racionalidade, diante do duro choque de realidade que costuma ser a vida pública longe dos palanques.
Ao mesmo tempo, estenderam as mãos aos caciques de que precisarão no futuro e já ensaiaram no primeiro dia de homens públicos algum malabarismo verbal para domar o discurso contrário a algumas bravatas de campanha.
Nem é preciso contemplar a parte cenográfica: as imagens de João Doria varrendo rua no primeiro dia de seu governo ou de Marcelo Crivela doando sangue sorridente, no melhor estilo Jânio Quadros, ou de Alexandre Kalil se contorcendo para explicar o aumento de ônibus que pretendia rever antes de permiti-lo.
Já vão exibindo a manha política que nunca me enganou no discurso antipolítico com que ganharam as eleições. Que tratei num artigo que fez sucesso aqui — Sete sinais de que Kalil é mais político do que João Leite — e que o Estadão confirma com o tradicional refinamento de seus editoriais.
Sob o título A Falácia dos Outsiders, toma como o exemplo a carreira política dos dois primeiros, Doria e Crivella, para mostrar como se valeram do discurso falso em contradição com suas biografias para faturar em cima do sentimento de rejeição coletivo à atividade política:
Os resultados das últimas eleições municipais – principalmente os observados em São Paulo e no Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do País – têm servido como pretexto para se difundir a ideia de que estão em ascensão os chamados candidatos outsiders, aqueles que se apropriam da aversão difusa de boa parte da população à política dita tradicional para lustrar suas campanhas eleitorais com o verniz da candura dos que estão “contra tudo isso que está aí.
João Doria, filho de um deputado federal cassado pela ditadura, teve intensa atividade política, ainda que não partidária, por 13 anos à frente da Lide – Grupo de Líderes Empresariais.
Marcelo Crivella é senador desde 2002, reeleito em 2010, foi líder do PL, fundador do PRB e ministro da Pesca de Dilma Rousseff.
Alexandre Kalil, que acrescento, foi político o quanto pôde para fazer alianças com quem estava no governo para azeitar seus negócios e beneficiar suas empresas, que receberam mais de R$ 50 milhões em obras do governo Márcio Lacerda. Sua campanha, como demonstro no artigo, foi um desfile de espertezas de quem, mesmo e até inconscientemente, domina o universo dos políticos tradicionais.
Discurso antipolítico
E todos, claro, se filiaram a partidos, como manda nosso sistema representativo. Diz o Estadão:
Fossem permitidas as candidaturas avulsas no Brasil, estas, sim, dariam azo aos arroubos aventureiros que por definição distinguem um outsider. Mas não. Da forma como rege a Constituição brasileira, a “antipolítica” não passa de uma narrativa – para usar uma palavra da moda – tão política como o mesmo discurso que esses candidatos pretendem desconstruir.
Aqueles que se autodenominam antipolíticos estão, na melhor das hipóteses, mal informados. Fazem do próprio despreparo um trunfo para operar em um ambiente que, de pronto, demonstram não conhecer. No pior cenário, travestem-se de um manto ilusório que visa tão somente a servir de subterfúgio para chegar ao poder negando aquilo que, na verdade, almejam desde o princípio.
Nenhum problema que se contradigam, acrescento, em benefício do aprendizado da realidade e da arte política, essa nobre atividade formadora de lideranças para construir consensos em busca do bem comum, cujos males atuais é culpa de sua deturpação e não sua causa.
Pior se continuassem — ou continuarem — com fantasias bobas de marketing, como a do prefeito de São Paulo, que prometeu a temeridade de ir varrer ruas todas as semanas. Na terceira, a imprensa já não mais aparece. Na quinta, já terá gente passando a mão no seu traseiro.
Ou com messianismos que sugerem moralização, como a exoneração logo de cara de alguns milhares cargos comissionados, mas que escondem a real intenção de reaparelhar a administração com os mais chegados.
Não é apenas o pior que pode acontecer. É continuar no palanque da anti política e perder de vista a missão de se fazer o que é certo. Que é política mesmo, no seu sentido mais nobre.
Ramiro Batista diz
Sim, Valdir. Ele fez três grandes besteiras, fora a reeleição, que os governos depois dele ampliaram:
1. O fim das licitações para agilizar as compras na Petrobras.
2. A instituição do cartão corporativo para descomplicar o pagamento de pequenas despesas da Presidência da República.
3. O Bolsa Pesca, destinada a dar um repouso de quatro meses aos pescadores e aos peixes no período da desova, entre novembro e fevereiro.
Eu tenho um artigo de fevereiro de 2015 sobre isso, neste link: https://www.ramirobatista.com.br/2015/besteiras-de-fhc-e-pt/
valdir diz
Também sabia que essa modalidade de contratação sem licitação é cria do FHC?
Ramiro Batista diz
Sei como funciona processo de licitação, Carlos. Sei que permitem contratações sem licitação em vários casos, que permitem criação de clubes de empreiteiras como o que ganhava as rigorosas licitações da Petrobras e, se você notar, quase sempre garantem à agência de publicidade que faz a campanha de um governante ser a escolhida depois da posse.
Carl0s Gardel diz
Você sabe como funciona um processo de licitação?? Dizer que ele “recebeu 50 milhões do governo” quando na verdade ele entrou em processo licitatório de prestação de serviços é muita leviandade.
Cristiano Marques diz
Política é a arte do convencimento. E foi isto que aconteceu em Minas e em São Paulo, com uma boa dose de demagogia.