Em 1951, o primeiro dos primeiros ministros da recém independente Índia, Jawaharlal Nehru, criou o primeiro dos sete institutos de tecnologia que transformaria o país no maior celeiro mundial de técnicos e engenheiros em língua inglesa subaproveitados.
Como optou por um regime de viés socialista, engessado de burocracia e fechado para o mundo, grande parte foi para os Estados Unidos emprestar seu talento subsidiado por impostos indianos para gerar inovações e criar suas próprias empresas em favor do desenvolvimento americano. Começou com um indiano, por exemplo, a Microsystems.
Só no início dos 90, quando o ministro da Economia Manmohan Singh abriu o comércio ao capital estrangeiro, desregulamentou a economia e introduziu a concorrência nas telecomunicações, começou a atrair os engenheiros de volta e deu o salto que transformou o país na sétima potência, maior plataforma mundial de terceirização, onde estão ou por onde passam as maiores multinacionais de todo o mundo.
Deu sorte que, logo em seguida, explodiu a bolha das ponto.com que deixou ociosos os milhões de quilômetros de cabos de fibra ótica que a ambição meio cega dos americanos havia implantado pelo mundo. O excesso sem demanda, origem da explosão, tornou irrisórios os preços de ligações entre empresas indianas e americanas.
E sorte em dobro com o Bug do Milênio, no final da década, que encontrou na Índia o único arsenal de técnicos e engenheiros habilitados e disponíveis para corrigir os códigos dos computadores do mundo inteiro e evitar a implosão da indústria de informática, às vésperas de ser truncada pelo limite 99 nas datas de todas as máquinas.
O ano 2000 deveria ser considerado o ano de independência da Índia, como diz Thomas Friedman no seu estupendo O Mundo é Plano, em que lista as dez forças niveladoras que achataram o mundo e criaram condições para pessoas físicas e jurídicas competirem em igualdade de condições em qualquer parte do mundo. Do computador pessoal à abertura dos códigos de html, dos buscadores de pesquisa ao upload, da produção coletiva ao compartilhamento.
Foi daqueles casos de quando o preparo encontra oportunidade.
A Índia vinha preparando seus cérebros, com disciplina dura e uma ambição desmedida de seus jovens para se integrar ao mundo, e aderindo à onda de abertura e desregulamentação que contaminava o mundo após a queda do Muro de Berlim, em 1989, com reflexos até, ainda que tímidos e como sempre, na América Latina.
Data do início dos 90 a implantação pioneira de uma unidade de TI da General Motors em Bangalore, quando o governo começava a desmontar o monopólio estatal de telecomunicações e ampliar a infraestrutura de banda larga para as empresas.
No meio da década, os indianos já prestavam serviços aos americanos de contabilidade, desenho, digitação, tradução de radiografias médicas e qualquer serviço operacional que pudesse ser postado de noite e recebido de manhã num computador em Nova York, aproveitando o fuso horário.
De serviços técnicos, saltou para o telemarketing que se introduziu na vida americana, a ponto de um passageiro no Alabama ser atendido por um indiano em Bangalore ao reclamar do desvio de uma mala num voo da Delta. E do telemarketing para serviços de terceirização de toda a cadeia de comércio online das maiores empresas mundiais.
Quando andou pela Índia em 2004 em pesquisas para seu livro, Friedman trombou com colossos de instalações em aço e vidro no meio de estradas esburacadas e tomadas por vacas, interligadas em grandes painéis de led com cadeias de fornecedores no mundo todo. Onde acabou impactado pela descoberta de que o mundo redondo, tal qual descobrira Colombo mais de 500 anos antes, havia enfim achatado.
Dogma e atraso
Diante da qual me arrepio com a ideia de que, do lado de cá, perdemos todos os bondes que passaram e corremos o risco de não ter fôlego para saltar em um dos vagões do trem bala da história que continua passando.
Os esforços de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso para abrir o país e desregulamentar a economia, na onda dos 90, retrocederam no modelo protecionista/intervencionista dos governos Lula e Dilma, que optaram por um capitalismo de estado anos 50 e dificultaram os investimentos privados em infraestrutura.
Nossos investimentos sempre foram num tipo de infraestrutura 1.0, de estradas, usinas, portos, aeroportos e o que pudesse melhorar, sem muito sucesso, a logística de um país exportador de commodities. É preciso uma locomotiva de 200 vagões de minério da Vale para pagar um caixa de Ipads que vem dos EUA.
A intuição e os esforços de Lula para melhorar a capacidade de uma das bandas largas mais precárias do mundo deram em nada.
Nosso problema estrutural, porém, além de físico, é mais fundo e está relacionado a nosso atraso ancestral em educação.
Nosso ensino básico não segura uma criança na escola mais do que umas três horas por dia, considerando atrasos, intervalo e recreio. A carga horária formal de quatro horas diárias é das menores do mundo desenvolvido.
Nosso ensino técnico quase inexiste.
Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 2013, colocou o Brasil na terceira posição em evasão escolar entre 100 países de maior IDH, atrás da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe (26,5%). Na América Latina, só Guatemala (35,2%) e Nicarágua (51,6%) tem taxas de evasão superiores. O Haiti não foi incluído no estudo.
Um de cada quatro alunos que ingressa no ensino básico não chega à última série, uma taxa de 25%. A porcentagem dos que concluem o ensino médio na idade certa, 17 anos, embora tenha avançado desde o governo Lula, é de apenas 19%, segundo um estudo do instituto Unibanco, de 2014.
Nosso ensino superior é contaminado por uma pregação ideológica contra o lucro e uma militância de terceiro mundo para estudantes que não dominam a matemática. Gustavo Iochpe, fundador do instituto de ideias Millenium e teórico dos entraves do nosso sistema educacional, chama atenção num grande artigo sobre a contradição de até faculdades privadas produzirem cérebros resistentes aos dogmas da iniciativa privada:
“Longe de ser exceção, essa dinâmica é a regra: escolas e universidades de entidades privadas, algumas inclusive com fins lucrativos, estão entupindo o cérebro de seus alunos com a mais rasteira e ignóbil doutrinação política marxista. Depois, quando esses alunos se tornam adultos e passam a comandar o país, os donos e diretores dessas escolas e universidades passam anos a fio reclamando (com razão) do intervencionismo estatal e do viés anti-empresarial dos líderes… que eles mesmos formaram!“
Refundar o país
Daí que dá uma preguiça danada as reações à proposta de reforma do ensino médio, que levaram estudantes a ocupar escolas em nome de seus professores em defesa de questões que parecem, no mínimo, secundárias. Que prioridade tem para um estudante dessa fase, que tem pressa de se formar em eletrônica para se integrar ao mundo, enriquecer seu currículo com Artes, Filosofia e Sociologia?
Tal é o tamanho da nossa tragédia, que, numa palestra num escola de classe alta na zona sul do Rio de Janeiro, Gustavo Iochpe foi cercado por professores militantes e seus alunos adestrados, horrorizados com sua explanação sobre a prioridade dos aprendizados básicos de linguagem, matemática e ciências num sistema que mal ensina a fazer conta.
“Depois da minha fala, vieram as perguntas do público. Sempre que há professores na plateia, estas perguntas se repetem: não é muito simplista/reducionista/alienado falar apenas em qualidade do ensino através do domínio dos conhecimentos de linguagem, matemática e ciências medidos por meio de exames como a Prova Brasil, o Enem e o Pisa? A função da educação não vai muito além disso? Não seria formar o cidadão crítico e consciente, engajado na construção de um país mais justo? Então o senhor acha que é preciso ler para ter conhecimento?!“
Outra é a reação previsível e com cheiro de mofo das centrais sindicais a qualquer tentativa do governo de descomplicar para fazer o país andar.
Como acaba de acontecer com as já tímidas propostas de Temer de informalizar as relações entre patrão e empregado, uma das bombas propulsoras de contratação sem medo no mundo civilizado. No Brasil, o empresário tem medo de contratar e investir porque será punido por uma legislação cronicamente engessada e paternalista que só deu efeito contrário às intenções.
A própria timidez das reformas é sinal da covardia do governo para enfrentar esse lobby do atraso que inviabiliza qualquer restrição a direitos e abusos adquiridos em décadas. Que tamanho de medo é esse que explica retirar em apenas 1% ao ano uma multa de 10% por demissão? Que diabo de edifício de anacronismo tão sólido é esse que não resiste a um conserto tão pequeno e tão óbvio?
Talvez seja o caso de se refundar o país, como a Índia em 1947, com um Nehru que crie institutos e um Manmohan Singh que reconheça o valor do investimento em infraestrutura, da competição e da simplificação para quem queira empreender.
E, claro, de estudantes que queiram dominar inglês e se inserir na parte do mundo que funciona.
marra diz
Pior, enquanto no resto do mundo a justiça é a garantia de funcionamento das instituições e da democracia, no Brasil vivemos uma ditadura judicial amparada no comensalismo corporativo.
Damastor diz
veja por exemplo o caso da lingua inglesa no Brasil, onde é outra jabuticaba (exclusividade brasileira conforme a tradição): aqui é o lugar do mundo onde mais se estuda inglês e onde menos se fala esta lingua universal..e pq isso acontece???? a lingua inglesa representa um modo de pensamento completamente diferente: as palavras contem significados muito mais abrangentes e precisos, é a lingua da ciência e tecnologia, da logica e do mundo pratico..de uma filosofia de ação e construção.
Isso tudo é o oposto de nossa mentalidade e construção espiritual que é barroca, atrasada, religiosa no mau sentido, dogmática e fantasiosa. Total incompatibilidade.
celso diz
nunca é demais lembrar que indianos tem o INGLES como segundo , se nao, primeiro idioma. Isto permite que tecnologia, ciencias e negócios seja deslocados para India facilmente. enquanto houver ojeriza ao aprendizado de ingles estaremos fadados a fornecer comodities..Proteina para fortalecer soldados e Metais para que construam armas.
valdir diz
Não fosse obra do acaso gostaria de ter nascido nos EUA. Também gostaria de saber quais e onde se encontra nossa mídia esquerdista. Ou será a Globo, a Veja, o Estadão, a Folha etc, no plano nacional, ou o Estado de Minas, a Rádio Itatiaia e este site, no plano regional?
Cristiano Marques diz
Mas Belíndia já é aqui.
José Tiago diz
Mudando de assunto, por que a mídia brasileira politicamente correta e esquerdopata insiste, por exemplo, com as seguintes manchetes:
“Embaixador russo morre após ser baleado por policial na Turquia”.
Não! Embaixador russo é assassinado por MUÇULMANO em nome de Alá (o “deus” dele), na Turquia.
“Um caminhão invadiu um mercado natalino em Berlim.”
Até quando a mídia esquerdista esconderá que o motorista criminoso do ato terrorista em Berlim é um MUÇULMANO? Caminhões não andam sozinhos e que um ataque em um mercado natalino é um ataque à religião cristã, do verdadeiro Deus?
Até quando seremos obrigados a suportar esse jornalismo de quinta categoria?
Tutameia diz
atraso não é algo casual e fortuito…é resultado de planejamento meticuloso e deliberado.