Poderia ter ficado tudo certo se tivesse a coisa parado no jantar da quarta-feira, no Alvorada, quando o presidente da República mandara o seu ministro da Cultura fazer o que deveria ser feito: ratificar a decisão do instituto do patrimônio histórico que travara a construção do prédio em que o ministro da Secretaria do Governo comprara um apartamento na planta.
Mas, quando convocou o ministro ao Palácio depois do almoço de quinta para dizer que não deveria ser bem assim, Michel Temer voltou a ser Michel Temer e pôs para andar o mecanismo que faz a roda girar em Brasília, desde que o PMDB é PMDB e entrou para nunca mais sair de todos os governos depois da ditadura, em 1985.
Aquela conversa de que pressões e concessões fazem parte do panorama político de Brasília como as árvores do cerrado, o clima seco e o sol nas vidraças. Que, ao invés de negar logo uma ilegalidade, deveria jogar a bola para órgãos ou funcionários mais, digamos, flexíveis, capazes de “dar uma solução que seja boa para todos”.
Serem políticos, enfim, nos moldes de Brasília.
Poderia ficar tudo certo também se Marcelo Calero negasse o pedido de pronto e esperasse a demissão. Ou denunciasse a manobra em que parecia envolvido até o presidente à Procuradoria Geral da República, pediria demissão e fosse para casa.
Mas, quando passou a gravar os telefonemas que recebia de seus pares e de seu chefe, voltou ao Palácio na tarde da quarta-feira e depois à noite para tratar do mesmo assunto, estava colocando para andar o mecanismo que faz a roda girar no espelho negro das novas mídias sociais, em que criar fatos é mais importante que resolvê-los, denegrir vem antes de equacionar.
Black Mirror e comunicação
Desconfortável num governo em que certamente não mais acreditava, talvez um pouco refém da classe artística que torcia o nariz por ter aceito o Ministério que ninguém queria e talvez por não acreditar nos mecanismos tradicionais de transparência e boa fé das autoridades no planalto central, preferiu o segundo caminho.
Vi a entrevista coletiva de Temer junto aos presidentes do Senado e da Câmara neste domingo, pensando no primeiro episódio da primeira temporada de Black Mirror, a mais calibrada porrada já dada em meios audiovisuais no poder discricionário, devastador e um tanto desonesto das redes sociais.
Um sequestrador chantageia o primeiro ministro a transar com uma porca em rede nacional, sob pena de matar a princesa real sob seu domínio. Leva ao gabinete aquele tipo de pânico da desorientação de não se saber o que fazer diante de algo sobre o qual não se têm qualquer controle. “Essa p* dessa internet”, berra o ministro a certa altura.
Temer, Renan e Maia, com seus modos do século XX e linguajar do XIX (“des-razoável”, “indigno”), me pareceram uma ampliação daquela metáfora potente da desmoralização dos modelos tradicionais de poder, na política e na comunicação. Diante da roda apressada das novas mídias em desvario, são pobres e velhos coitados atônitos, sem saber o que fazer.
Vão perder, sempre.
A não ser que mudem seus hábitos, para algo mais adequado ao século XXI e a esse cenário devastador e inexorável. Mandar gravar todas as audiências formais não é o bastante, porque as conversas que de fato mudam o rumo da história acontecem na penumbra dos jantares e das rodas de uísque.
O negócio, no mundo dos gravadores e das câmeras embutidos até em caneta, broche e obturação dentária, é falar e autorizar o que é certo e, de preferência, legal. Às vezes, nem tudo que é legal é o ideal.
Vai mudar os costumes políticos para um patamar que o pântano das redes sociais nem pretendia.
Ricardo diz
Sensacional, Ramiro! Sabe que estive pensando em algo semelhante, né? Veja este episódio da tal anistia. Os caras arregaram!! Voltaram atrás mesmo!!! A internet, sobretudo as Redes Sociais, mudaram pra sempre a vida destes ordinários e as nossas também. A deles pra pior, claro. As sombras acabaram. Abraços
Pereira diz
Esse tal ministro de um ministério apagado não foi diplomata, não foi hábil,, nem maduro, nem coerente, mas apenas covarde, inocente, fofoqueiro, desrespeitoso, ingênuo e agora fica como um santo, quase se sentindo salvador da Pátria…
claudia antunes diz
É podia, podia sempre ocultar-se crimes com intuito de não causar mal estar não é mesmo? Assim vão criando tampões para abafar toda podridão do governo atual, que está a meu ver, mais elameado que qualquer outro que já assumiu.
Cristiano Marques diz
Ao enterrar a malfadada anistia ao caixa 2, Temer assumiu o mea culpa.
Ao invés de dar um bico na bola de Geddel pra escanteio, resolveu dar um chapéu dentro da grande área.
Com a mercadoria feita, só restou condenar a anistia.
Antes tarde do que nunca.