Pulverizada em número de candidatos, partidos e tendências, essa pode ser a primeira eleição municipal em décadas sem polarização ideológica ou vinculada a motivações externas que não os problemas da cidade.
Em cada uma das três maiores capitais do sudeste, cerca de uma dezena de candidatos de tendências variadas se apresentam ao eleitorado segundo seu recall pessoal e suas propostas para encarar os grandes desafios de mobilidade e segurança, principalmente, sem lastro em alguma grande ideia ou comprometimento político.
As eleições municipais foram rachadas ao meio durante o regime militar, a partir de 1964, contaminadas tanto quanto a censura permitia pelo debate do arbítrio versus liberdade.
A primeira grande eleição direta depois da abertura política, em 1989, teve 22 candidatos que tornavam difíceis e ao mesmo tempo divertidos os primeiros debates de TV.
Como se todos os candidatos e tendências procurassem espaço próprio no jogo eleitoral depois da polarização forçada que havia unido a oposição contra os aliados do regime. A cada casuísmo dos militares para fortalecer sua base política, como voto vinculado do presidente ao vereador, havia correspondido uma manobra esperta da oposição para derrubá-lo.
Polarizada entre o chamado representante da elite conservadora, Collor de Mello, e o chamado representante da classe trabalhadora, Lula da Silva, a eleição inaugural do regime civil acabou lançando as bases para uma polarização que arranjou lugares bem distintos para esquerda e direita nas eleições a seguir e acabou sedimentando um outro tipo de polarização que viria a contaminar o processo municipal daí pra frente.
Quando não amarradas ao discurso concentração de renda versus miséria, privatização versus estatismo, tradição versus afirmação das minorias, descambaram para questões de gênero e raça que nada tinham a ver com educação, saúde e redes de esgoto. Ficaram famosos o slogan que elegeu Benedita da Silva no Rio de Janeiro — “Mulher, Negra e Favelada” — e a disputa que pode ser considerada marco inaugural do feminismo nas campanhas brasileiras, a que fez da retirante Luiza Erundina primeira prefeita de São Paulo.
Questões ideológicas
Causa ou reflexo disso, acabaram também sempre contaminadas pelas disputas nacionais ou estaduais, mesmo sem questões ideológicas em jogo. A separação no calendário das eleições municipais da federal e estaduais amenizou mas não resolveu de todo o problema.
A municipal de 2016 vem no rescaldo da mais séria degradação da classe política e do fiasco do projeto de esquerda que pretendia redimir o país, depois que o projeto liberal que o antecedeu deu com os burros n’água. Os dois projetos dos dois grandes partidos que os traduzem por aqui — PT e PSDB — estão como o cachorro que caiu da mudança e há uma penca de candidatos querendo, como em 1989, descobrir seu lugar na nova ordem.
Os candidatos interessados em ideologizar a disputa, como Reginaldo Lopes (PT) em BH, Jandira Feghali (PCdoB) no Rio ou Luíza Erundina (Psol) em São Paulo, não vêm sendo ouvidos.
Como sempre, o recall pessoal deve prevalecer sobre as propostas, como sempre foi.
Os candidatos mais atrativos das grandes capitais gozam de sua popularidade no futebol (João Leite em BH), na TV (João Dória em São Paulo) ou na Igreja com TV (Marcelo Crivella no Rio). Mas, pela primeira vez em muito tempo, podemos ter a oportunidade de discutir propostas e não ideias para além das nossas necessidades imediatas de ir, vir e viver com segurança nas cidades.
Até porque, como numa das frases de que mais gosto, do prefeito de Nova York que virou nome de aeroporto, Laguardia, “não existe uma forma de direita ou de esquerda de varrer rua — existe a forma correta”.
Afonso diz
E o que esses candidatos entendem de administração publica? Qual filosofia de trabalho vao implantar? Se tivessem obtido sucesso em sua respectivas profissões não estariam se aventurando na politica, teriam permanecido em suas carreiras.
Gibson Faria diz
Sua análise não é apenas falsa, Ramiro Batista, mas também tendenciosa. Achar positivo ou incentivar uma escolha política / processo eleitoral “descontaminado de ideologias” já é uma ideologia.