Uma das maiores promessas do quadro de atletas na olimpíada econômica do governo Michel Temer, o malabarista Henrique Meirelles deve decepcionar a torcida que espera salto de Thiago Braz nas reformas necessárias para destravar os negócios e o país.
Nos últimos dias, o grosso do empresariado e do jornalismo econômico andou ampliando o sarrafo sobre a timidez das reformas e reduzindo suas expectativas sobre o talento da equipe liderada por ele para vencer as resistências dos adversários políticos escondidos atrás do pódio.
Convém que reduzam mais suas expectativas e comecem a se contentar com a realidade.
Esse atleta cheio de ousadia e saltos de longa distância na iniciativa privada é tão ignorante quanto seus colegas empresários e os jornalistas econômicos sobre as resistências, particularidades, limites reais e vontade política da área pública para cortar na carne.
Têm certa inocência de acreditar que governos podem demitir, enxugar, cortar, arrebentar pontes e dar-lhes a vara de que precisam para dar salto em direção a um outro país.
Em meus quase quarenta anos de convivência com a área pública, nunca vi governo cortar para trás, atacar de frente os problemas, mandar gente para casa, eliminar órgãos, desagradar aliados. E é ingênuo acreditar que se vai atacar agora e a fundo as três principais reformas, anunciadas como salvação da pátria: Previdenciária, Trabalhista e Tributária.
Poder de Fogo político
Enfrentam resistências de interesses poderosos que nenhum deles encarou a fundo e é difícil acreditar que um de menor poder de fogo político como o de Michel Temer enfrentará.
Entre outras coisas, há que se considerar:
- Uma forte cultura de direito adquirido, cristalizada em Constituição (“a lei não retroagirá para prejudicar”).
- Os entraves da burocracia pública para demitir mesmo um office-boy sem um longo processo administrativo.
- A dificuldade de os governadores conterem o crescimento vegetativo de suas folhas de pagamento, mesmo sem aumentos. Foi por isso que fizeram um acordo de teto de gastos com a equipe econômica na renegociação das dívidas e, em seguida, por trás, pressionaram os deputados a derrubá-lo.
- A impossibilidade de governadores e prefeitos realocarem recursos engessados pelos limites constitucionais, Educação (25%) e Saúde (10%), mesmo quando irreais. Tem prefeitura com dinheiro sobrando numa rubrica para dar uma merendeira nova aos alunos da rede escolar e faltando noutra para comprar seringa para o posto de Saúde.
- A pressão da opinão pública desinformada e o lobby pesado dos sindicatos, públicos e privados. Tentar convencê-los da necessidade de cortes ou chamá-los a colaborar nas propostas de corte, como fez o atual governo, é como querer discutir com potenciais enforcados o tamanho da corda.
O que leva o governo, como sempre levou, a, no máximo, atacar expectativas de direito. Se você vai se aposentar aos 60, que diferença faz se aposentar aos 62? Mas só para quem entrar no serviço público agora, combinado? Para quem estiver, pode haver uma regra de transição. Cortar rente no volume de pessoal, de recursos e de benefícios, mesmo que discutíveis? Nem pensar.
São regras para surtirem efeito, se surtirem, em 40 anos. É sintomático que o secretário de Previdência Social, Marcelo Caetano, em entrevista à Folha de S. Paulo, tenha especulado sobre expectativas de longo prazo (“temos 1 idoso para cada 10 trabalhadores na ativa e, em 2060, teremos 4 para 10”). Possivelmente porque, como o resto da equipe comandada seu atleta padrão, já consideram que é inútil pensar em soluções de curto prazo.
Poder público e PIB
Tal ingenuidade decorre também do erro de avaliação de que o poder público no Brasil é um apêndice que só regulamenta e atrasa a vida da iniciativa privada. Não é.
Num país em que quase toda casa tem um funcionário público, a economia da maioria dos pequenos municípios é tocada com aposentadorias e todas as instâncias da administração são inchadas (25 mil funcionários para atender 595 parlamentares só no Congresso), a área pública é tão parte do PIB quanto a indústria, o comércio e a área de serviços.
Mudar esse quadro é tarefa de gerações.
A solução, ou o jeito de encarar a realidade, é priorizar mudanças de baixo calibre, que independem de grandes esforços de votação no Congresso ou de convencimento dos potenciais enforcados. Medidas e mecanismos previstos em portarias, decretos ou medidas provisórias que desregulamentem e liberem concessões e produção, de forma que a iniciativa privada possa andar mesmo que aos tropeços para melhorar a arrecadação e criar alguma folga de caixa.
É o que, diga-se, o governo Dilma Rousseff pretendia fazer, sem nenhuma força política, quando esgotaram-se os milagres do crédito consignado e das desonerações.
É a iniciativa privada e o crescimento, a médio prazo, que vão como sempre tentar equilibrar as contas. Até o dia que faltar dinheiro para pagar todo mundo e os governantes correr atrás para apagar o incêndio ou trocar a fechadura da porta arrombada. Também como sempre.
Não acredito que vamos mudar alguma coisa a fundo na minha geração.
luiz diz
Sera porque não ha comentarios?