Desde que Walt Disney criou o Zé Carioca e ajudou a exportar a ideia de que somos o país do carnaval, do futebol, da mulata e das belezas naturais, a expressão “macumba para turista” foi se firmando como toda tentativa de promoção do país que o associe a esses bens culturais primitivos.
Pois os cineastas e produtores de cinema Fernando Meirelles, Daniela Thomas e Andrucha Washington tiveram a ousadia de recorrer ao estereótipo e a inteligência de reciclá-lo na abertura da Olimpíada, para comunicar ao mundo que temos muito orgulho dele e consciência de suas possibilidades.
O espetáculo se apoiou no tripé florestas tropicais, samba e beleza feminina (o futebol em toda a sua decadência pode enfim ter perdido seu status de referência nacional), mas com a inteligência de compô-los com a formação de uma identidade nacional cuja diversidade entregou ao mundo sofisticados produtos culturais, como a Bossa Nova e a arquitetura de Niemeyer.
Um dos pais do movimento modernista, Oswald de Andrade havia cunhado a expressão para zombar da exportação sem filtro crítico desse tipo de produto cultural, como então o índio mitificado por nossos românticos (José Alencar, Gonçalves Dias) e nosso maior e único compositor de ópera, Carlos Gomes.
Com o tempo, Walt Disney, Hollywood e a Tropicália que o combateu, incorporamos o rótulo e certa vergonha dele. Estar associado apenas a samba, floresta e futebol, era admitir nossa vocação de república de bananas exportadora apenas de bens primários, como minério e petróleo.
Acabou soando pejorativa, um apelo fácil de artistas preguiçosos e tão preconceituosos quanto os gringos que queriam impressionar.
A unanimidade nacional no deslumbramento que por horas deu trégua em todas as nossas guerras políticas parece ter comprovado agora que não nos envergonhamos de nossas raízes e temos orgulho do que fizemos com elas.
Um pouco mais do que isso, talvez estivéssemos precisando de alguém que nos lembrasse disso.
Esse país rachado e em crise permanente, que vem de nova frustração colossal depois de outras tantas através de sua história de tantos tropeços, parece ter encontrado no discurso dos três cineastas certa dose de estima que não sabia onde encontrar.
É como se esses cineastas brilhantes, com aquele rasgo de genialidade que absorve e reinterpreta o inconsciente coletivo de um tempo, tivessem dito:
— É o que temos. E é o melhor de nós. E somos capazes de transformá-los.
E foram plenamente compreendidos.
(Ajuda que tenhamos evoluído da mulata rechonchuda para Gisele Bundchen.)
Rose diz
Parabéns pela análise. Belo texto!