Em duas entrevistas recentes de boa repercussão, ao Estadão e ao programa Roda Viva da Tv Cultura, o ex-deputado Roberto Jefferson disse que o deputado apeado da presidência da Câmara nesta semana, Eduardo Cunha, era seu “bandido preferido”.
Comemorava de certa forma o fato de Lula e seu grupo terem encontrado enfim um “bandido à sua altura”. No sentido de conhecer o inimigo e usar os seus métodos.
Referindo-se ao processo do impeachment, que ele viria a presidir daí a alguns dias, o repórter de O Globo, Flávio Freire, perguntou então qual a legitimidade de um processo tocado por um bandido.
— Eu te devolvo a pergunta — respondeu. — Como levar a sério o governo da Dilma se ela é cercada de tanto bandido? Eu disse que ele é meu bandido predileto porque é o desafeto à altura desse grupo de poder do PT. É um adversário à altura do presidente Lula, porque ele joga o jogo que tem ser jogado. E esse grupo de poder joga qualquer jogo.
— As questões morais ficam de lado, então? — se assustou o repórter.
E ele, sem pestanejar:
— Ficam de lado. O Eduardo joga igualzinho. É um pistoleiro, saca como o Lula, saca rápido, atira pelas costas, atira de tocaia, com dossiê, faz igualzinho, trapaceia no pôquer e, como a turma do PT, assalta o banco da cidade. Fiz essa comparação porque sei que o Eduardo é imprescindível nesse papel que faz hoje.
— Em outras palavras, o senhor está dizendo que é bandido contra bandido.
— Sim. É briga de foice no escuro, puxão de cabelo, dedo no olho, pontapé no traseiro, vale tudo nessa briga. E o Eduardo sabe jogar esse jogo. E joga bem.
Na melhor parte de sua entrevista, ele disse que o processo que culminou no desmantelamento do histórico cartel das empreiteiras e na prisão dos maiores empresários nacionais não teria sido possível fora do Judiciário. Porque os políticos, patrocinados por eles desde sempre, não deixariam, como nunca deixaram, avançar as investigações.
— A oposição não teria condições de fazer a Lava Jato. Uma operação como essa não nasce da luta política, de uma vingança política, de uma resposta política. Ela nasce da investigação e a classe política é caudatária da força judicial. As empreiteiras são as maiores financiadoras de campanha. Elas são empresas para-estatais, porque vivem das estatais e do Orçamento da União, do governo. E a oposição é patrocinada por elas. O senhor acredita que a oposição convocaria uma CPI para investigar as empreiteiras? Teria evoluído ao ponto que evoluiu.
Adesão a governo
Se depende do Judiciário para derrubar empreiteiros, a lição da entrevista parece ser a de que, no meio político, só bandidos para derrubar bandidos.
Roberto Jefferson foi ele mesmo o primeiro adversário à altura do PT e do presidente Lula, em junho de 2005, quando decidiu detonar o que sabia sobre a compra de deputados para fragmentar a base de apoio no Congresso, no que viria a ficar conhecido com o escândalo do Mensalão.
Malvado a seu jeito, com um histórico de adesão a governos desde o governo Collor, em troca de cargos para financiamento de campanhas, ele sabe muito bem do que está falando.
Sua divergência com o então poderoso chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, por conta de atrasos de pagamento e compromissos de nomeação não cumpridos, foi uma briga de foice no escuro em que ele acabou levando a melhor.
Dirceu o havia convencido a retirar a assinatura de um pedido de CPI para apurar desvios nos Correios, com a promessa de resolver as pendências. Depois que retirou, porém, percebeu que ele, Lula e próceres do PT operavam para jogar no seu colo todas as denúncias de corrupção na estatal, para camuflar os problemas em outras diretorias comandadas pelo partido.
— Estão esvaziando o quarteirão para me implodir — disse à época.
Foi o que o levou a bater nas portas da colunista Renata Lo Prete, na Folha de S. Paulo, e detonar a sequencia de denúncias que viriam a fazer a primeira avaria séria na imagem então imaculada do Partido dos Trabalhadores.
Era um caso de usar as mesmas armas de ataque do adversário, no melhor estilo guerrilheiro que parte para o tudo ou nada para amedrontar, correndo todos os riscos.
O mesmo que, por acaso, Eduardo Cunha viria a fazer em dezembro último.
Depois que lideranças do PT prometeram e depois recuaram no apoio para livrá-lo da cassação no Conselho de Ética, ele sacou a pistola do tudo ou nada. Acatou o último e mais consistente dos 40 pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff, como espécie de última bala que guardava para seus adversários mais respeitáveis.
Projeto de poder
É possível que fazer de todo o PT um bandido seja conveniente aos dois.
O partido é uma constelação de tendências, onde tem gente séria também e é, muitas vezes, vítima da democracia interna que dificulta o tipo de coesão de rebanho dos outros e o conduz, não raro, ao guerrilheirismo suicida de forte vocação para dar tiro no pé. Fora da ação e das grandes viradas estratégicas de seu líder maior, toma partido e escolhe lutas que tantas vezes beiram a ingenuidade.
Mas se trata de dois casos, duas biografias, duas lições de dois jogadores de pôquer que o destino e as circunstâncias fizeram heróis nacionais por destruir o que restava de um projeto de poder que escondia pretensões totalitárias preocupantes.
É curioso e um tanto cruel que esse país dependa de heróis desse naipe. Que, como diz o já agora filósofo Roberto Jefferson, jogam o jogo que tem que ser jogado.
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