Logo no segundo mês de seu primeiro governo, em fevereiro de 2011, o bem amado multimídia Nelson Motta traduziu num artigo o caso de amor que o país vivia com Dilma Vana Rousseff depois de um certo cansaço com as bravatas de um Lula já bem desgastado:
“Como é bom ter uma presidente que não vive esbravejando nos palanques e dividindo o País entre ricos e pobres, entre as elites e o povo e culpando os adversários políticos por todos os males do Brasil.
Que delícia não ter que ouvir todo dia a presidente dizer que o Brasil começou no dia em que ela tomou o poder e que os que a antecederam só lhe deixaram uma herança maldita.
Que alívio ter uma presidente que não se diz uma metamorfose ambulante nem tem opinião formada sobre tudo, até sobre o que totalmente ignora.
Como é edificante ter uma presidente que não se orgulhe de sua grossura e ignorância nem deboche dos que estudaram mais. Que sensacional é ter uma presidente que lê jornais. E livros!
Como é civilizado ter uma presidente que defende os direitos humanos, tanto em Guantánamo como em Cuba e no Irã. E que declara que o Brasil não deve dar opinião sobre tudo que acontece em outros países.
Como é gostoso não ouvir a presidente acusar todos que não a apoiam de ter preconceito contra pobre, nordestino e operário. Ou contra mulheres de origem búlgara de classe média.
Como é confortador ter uma presidente que não diz que o mensalão é uma farsa da imprensa golpista. E que não faz nomeações partidárias para o Supremo Tribunal Federal.”
Como ela corroeu esse patrimônio perante a opinião pública em tão pouco tempo e de forma tão acachapante é tema de especulação intelectual excitante para teses e matérias longas. Seu pronunciamento divulgado ontem à noite pode dar, porém, uma pista de como construiu seu cadafalso.
Por mais que tente acenar agora para a unidade de um país múltiplo, em que parece ter compreendido quando tomou posse pela primeira vez, ela não resiste à propaganda, ao confronto e à divisão de classes que fala a uma minoria e é o pior de sua herança.
Atribui a seus adversários que tomarão posse um ataque à democracia que não está em risco, o fim dos programas sociais que não está discussão e a pecha de corruptos que não é prerrogativa só deles.
Apesar do esforço enorme para coalizar e falar para todos, é quase como se repetisse aquele anúncio impostor de sua campanha de que a autonomia do Banco Central iria tirar comida do prato dos pobres.
Parece ter aprendido o pior de seu padrinho político e voltado a emular seu discurso desagregador, sectário e já meio mofado na época de sua primeira posse.
Que nunca tenha conseguido se afastar totalmente deles — do discurso e do padrinho do discurso — tem a ver com a imaturidade política que é parte da equação de sua miséria.
Sem ter tido ou construído sua própria luz, sucumbiu a eles assim que surgiram as primeiras dificuldades com a classe política de que se diferenciava, agarrou-se ao padrinho envelhecido e, junto do discurso, carregou também os métodos. Esqueceu rápido a faxina ética que havia arrastado a boa vontade da maioria da sociedade que Nelson Motta representava.
>>> Ver a Dilma de luz própria no meu artigo Dilma no Maracanã é uma sobra da Dilma de 2008
Que sobreviveu até o — e no — discurso de ontem.
Um político experiente teria delegado o discurso de ontem a aliados, evitaria o indefensável e não insistiria numa resistência que interessa ao projeto do seu padrinho mas não à sua dignidade. E evitaria acabar de queimar o resto de boa vontade que parte da sociedade ainda concede à sua pessoa.
Mas, até a última hora, parece estar ouvindo o padrinho que a ilumina desde sempre, mesmo que ele já não tenha mais condições de iluminar.
Poliana Lopes diz
Bacana.