O juiz Sérgio Moro foi na terra de Al Capone fazer uma palestra para estudantes brasileiros e suscitou a comparação inevitável com Eliot Ness, o procurador quixotesco que peitou o mundo policial, político e jurídico na Chicago da Lei Seca, corrompido de alto abaixo pela proteção ao tráfico ilegal de bebidas.
Sua melhor alegoria está no filme de 1987, Os Intocáveis, de Brian de Palma, com Kevin Costner.
Ele recruta um jovem policial de academia ainda não corrompido pelo sistema (Andy Garcia) e um contador medroso (Charles Martin Smith) que vai esquadrinhar os negócios de Al Capone (Robert de Niro) para pegá-lo na única ponta em que parece vulnerável, o Imposto de Renda.
Como Moro, que se apoia numa tropa de jovens policiais e promotores sem os vícios do sistema e de fiscais da Receita empenhados em vasculhar a contabilidade das doações de campanhas de políticos e chefões das empreiteiras. Vai também pegá-los por algum tipo de improbidade menor, como falsidade ideológica ou obstrução de justiça, quando é impossível configurar propina.
Tem a famosa e já clássica sequencia da escadaria do Metrô, inspirada em O Encouraçado Potemkin, de Eisenstein. Ness e seu jovem policial têm que evitar o sequestro do contador de Capone, na véspera de depor (em delação premiada?) contra o chefe, sem colocar em risco uma mãe subindo com o carrinho de bebê na linha de tiro.
Num filme nacional, seria como se Paulo Okamoto, responsável pela contabilidade de Lula, tivesse alguma culpa e estivesse sendo sequestrado por, digamos, Rui Falcão. Moro e um dos jovens policiais da PF os cercassem nas escadarias da Sé, divididos entre atirar ou salvar um carrinho de bebê desenfreado escada abaixo.
Comunicação
Falta na metáfora a personagem mais excitante do filme, Sean Connery (Oscar de coadjuvante pelo papel), um velho policial de rua, cumpridor de seus deveres, que vai ajudá-lo a montar a equipe e encaminhá-lo pelos meandros da corrupção na cidade.
Gosto de imaginar que esse mentor, braço direito do protagonista em todo grande filme, é o espírito da operação Mãos Limpas italiana, de que o juiz de Curitiba é profundo estudioso. Ou do antepassado de Chicago que seguiu o caminho do dinheiro a partir de pequenas extorsões para chegar a uma teia de interesses que contaminou todo o organismo social. (A Lava Jato começou na prisão de doleiros em um posto de gasolina.)
Era tal a degradação moral, que, no filme, ele pede para trocar um corpo de jurados quando descobre que tanto eles quanto o juiz poderiam estar comprados. Como fizeram os procuradores da Mãos Limpas, que se utilizavam de publicidade para constranger as autoridades que poderiam decidir em favor dos investigados.
É como se, também guardadas as proporções, Sérgio Moro liberasse gravações que deveriam estar em sigilo de justiça para constranger com sua política de comunicação dirigentes e juízes de segunda e terceira instâncias que pudessem estar interessados em decidir a favor do lado errado.
Sabe como é. Na nossa cultura de nomeações políticas de juízes e ministros, isso até pode acontecer.
Políticos
Filme intocável de fim melancólico, Os Intocáveis não premia os esforços de Eliot Ness. Que acabaram resultando num arranjo dos políticos para acabar com a Lei Seca.
O que pode ser uma metáfora ruim do que nos espera, se a realidade insistir em ser pior do que a ficção.
Passado o trabalho de nosso quixote, é possível que nossos políticos também se organizem. Não para aperfeiçoar as legislações de combate ao crime, mas para facilitar a vida das empresas condenadas e, quem sabe, reduzir um pouco as prerrogativas de promotores e policiais federais.
Sabe como é. Esses meninos extrapolam um pouco. E, às vezes, acham que estão num filme.
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