Ministro fez abordagem cega do Direito em sua entrevista no programa Roda Vida
A julgar pela participação do ministro do STF Marco Aurélio de Mello no Roda Viva desta semana, sua decisão de mandar o presidente da Câmara dos Deputados dar seguimento ao processo de impeachment do vice Michel Temer não deve ter se baseado na sua abordagem cega do direito.
Aquela em que, em termos ideais, se diz que deve atuar a Justiça, não por acaso representada por uma deusa de venda nos olhos, além da balança do equilíbrio e da espada da punição.
Ele procurou se mostrar cego para circunstâncias e falar só em tese , sempre que provocado por assuntos espinhosos:
- Disse que não tem conhecimento do processo do impeachment da presidente Dilma, porque precisa se ater aos seus, que recebe a média de 100 por semana.
- Que a liberação das conversas de Lula gravadas pela PF foi ilegal no estrito campo do Direito e que, havendo culpa, é passível de punição.
- E que a nomeação de sua filha pela presidente para o cargo de desembargadora da Justiça Federal no Rio é do campo estrito da competência dela.
Também jogou para fora da responsabilidade da Corte, nas eventuais falhas da legislação, as críticas sobre lentidão ou eventual leniência que induz os políticos a buscarem seu foro privilegiado.
O programa foi um retrato de corpo inteiro daquele tipo de juiz com linguajar do século XIX que só fala em tese para evitar julgamentos circunstanciais e está convencido de que seus veneráveis colegas só julgam movidos por alto “despreendimento que só se curvam à ciência e à consciência possuídas”.
Com “equidistância”, como repetiu várias vezes.
— O senhor não tem orgulho de sua Suprema Corte? — perguntou ao jornalista José Nêumanne, do Estadão, sentindo-se um tanto ultrajado de que alguém possa duvidar da imparcialidade e da eficiência do STF.
— Não — devolveu o jornalista, que acabou salvando um programa que, por conta das obviedades, os entrevistadores acabaram tendo que fazer perguntas que já embutiam as repostas.
Nêumanne deu um show de contestação que mereceu seleção no Youtube, ao, entre outras coisas, comparar a eficiência do juiz Sérgio Moro, 67 condenações em dois anos, com o que seria a leniência do Supremo, cujos únicos condenados conhecidos, do Mensalão, “estão todos soltos”.
Lembrou que a Corte inocentou Collor em 1994, depois das provas retumbantes de seu processo de impeachment, e “jogou no lixo” a operação Castelo de Areia, de 2009, por uma firula jurídica, uma discussão de vício de origem.
— Se eu fosse bandido, eu iria adorar esse foro privilegiado, ministro.
Questão de mérito
À luz dessas considerações, data venia, como diriam os advogados, não dá para entender a decisão do venerando ministro sobre dar seguimento ao impeachment de Temer, propalada depois da exibição do programa.
Ele se ateve, ao que parece, a uma questão de mérito: a de que, se o presidente da Câmara acatou pedido similar de mesmo conteúdo sobre a presidente da República, é do império da lei que faça o mesmo em relação a quem vai substituí-la.
Não se restringiu a analisar se é da competência do presidente do Legislativo aceitar ou arquivar processos de impeachment, como está no Parágrafo 2º do Artigo 218 do Regimento da Câmara:
“§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os Partidos.”
O presidente Eduardo Cunha havia, com base nele, arquivado algumas dezenas de outros contra a própria presidente e aceitou o atual, por entender neles as condições técnicas necessárias. Ao pé da letra, ele deveria ter dado andamento aos demais que arquivou?
Se não foi uma falha humana do alto magistrado da Corte que, segundo disse, é a última trincheira da cidadania e atua no estrito campo da lei, parece ser uma piscada no seu jeito equidistante de decidir.
Mais ou menos cego, digamos.
Crisley Pereira diz
Muito Legal!
Djavan diz
Boa postagem!