Um filmaço, no melhor sentido do termo, Spotlight – Segredos Revelados, sobre a história real do grupo de jornalistas do Boston Globe que investigou e publicou o escândalo do século, sobre o acobertamento pela Igreja de padres envolvidos em pedofilia.
Aquele tipo de suspense pesado, clássico, linear e bem contado, que vai acumulando camadas de informação e revelando as entranhas de um sistema impenetrável com seus mocinhos e bandidos pulsando, numa galeria de tipos inesquecível.
Tenho sérias dúvidas se gosto mais deste ou de Todos Os Homens do Presidente, de 1972, a aula de jornalismo e principal referência de filmes sobre jornalistas, nas idas e vindas dos dois repórteres do Washington Post que desvendaram o Watergate que derrubou Richard Nixon.
Aqui, o grupo de quatro jornalistas do caderno Spotlight (Holofote), encarregado de investigações de longo prazo, vão romper o bloqueio da Boston sufocada por uma Igreja católica imperial e intocável por séculos de acomodamento e, digamos, acochambramento de autoridades, políticos, advogados e jornalistas.
Sintomático que sejam estrangeiros que vão mudar o quadro — o repórter descendente de portugueses vivido por Mark Ruffalo, o advogado armênio de Stanley Tucci e, sobretudo, o novo diretor-geral judeu, o extraordinário ator Liev Schreiber.
(Que, não por acaso, tem que ir meio que pedir benção ao bispo no seu primeiro dia de trabalho.)
De quase chorar na forma que revela como que homens tidos como representantes de Deus na Terra, com a missão de proteger as crianças de famílias desestruturadas que lhes caíam em mãos, abusavam de seu poder para destruir-lhes a alma.
E como resgata o sentido de missão do jornalismo investigativo, desgastado pela pressa da internet e pela transformação em meio de entretenimento, em que quase tudo é permitido para alavancar cliques.
É especialmente impactante para jornalistas da velha geração como eu, capaz de fazer sentir o cheiro da redação, dos corredores entulhados de pastas velhas da seção de arquivos, das rotativas.
É quase íntimo reencontrar a velha fauna de gente descabelada, insone e mal ajambrada, exalando autenticidade em suas gravatas frouxas e nuvens de fumaça de seus cigarros, nas reuniões de pauta e nas conversas de camaradagem pelas baias, corredores e gabinetes.
>>> A excelente Isabela Boscov disse bem que o diretor Tom McCarthy tem um prazer quase sensual de expor isso. O que fiz com igual prazer no meu romance O Presidente Vai Morrer, sobre o foca cheio de ilusões na trilha de desvendar a doença escondida de Tancredo Neves.
Entre eles, o coadjuvante para mim protagonista, o extraordinário Mark Ruffalo (o Hulk de Avengers). Na pele do repórter inquieto e meio curvado pela pressa, é o tipo sempre na ponta da cadeira, a ponto de saltar sobre sua presa.
É dele o mais emocionante discurso, meio clímax, do tamanho do problema quando chega ao limite e o chefe, o também ótimo Michael Keaton, manda esperar.
É bom ficar de olho também no advogado de Stanley Tucci e no sempre divertido e dramático John Slattery como secretário de redação. Mas, sobretudo, no contido em todos os sentidos Liev Schreiber.
É o diretor de redação judeu perfeito que chega para quebrar a banca de uma sociedade viciada e meio cega com a serenidade dos que têm segurança de que estão do lado certo.
É de longe o melhor filme sobre a profissão depois do icônico Todos os Homens do Presidente, de 1976. Que saudade desses tempos.
Melhor filme do Oscar de 2016, deu o prêmio de melhor roteiro original para o diretor Tom McCarthy em parceria com Josh Singer, autor também The Post, de 2017, sobre a briga do Washington Post para publicar os papéis do Pentágono sobre as mentiras dos presidentes na Guerra do Vietnã.
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