Já se disse que literatura – ou o cinema que a traduz – trata de personagens extraordinários em busca de coisas extraordinárias. A julgar pelos filmes que disputaram o Oscar 2015, isso só parece não bastar mais.
Seis dos oito indicados tratam de personagens megalômanos a um passo da psicopatia querendo apenas a perfeição ou extrapolar os limites humanos além da excelência possível. Não, não se trata de super-heróis, mas gente comum precisando ser incomum.
1. O ator fracassado de Birdman (Michael Keaton) quer conformar o mundo à sua imagem e semelhança com a peça de teatro definitiva que supere o sucesso de massa do passado que desdenha.
2. O físico Stephen Hawking de A Teoria de Tudo (pele, respiração e coração de Eddie Redmayne) quer nada menos que achar a equação – simples, elegante, definitiva – que explique nada mais nada menos que a origem e o fim do universo.
3. O matemático Alan Turing de O Jogo da Imitação (outra interpretação magistral, de Benedict Cumberbatch) é pura neurose e tirania para tocar o projeto de um supercomputador que vai desmontar a espionagem de Hitler, ganhar a guerra e salvar a humanidade.
4. O atirador Cris Kyle de Sniper Americano (Bradley Cooper) não quer matar um ou meia dúzia na guerra do Iraque, mas mais do que os 160 do seu currículo. Se bobear, exterminar todos os inimigos americanos do Oriente Médio em apenas um filme.
5. O baterista Andrew Neyman de Whiplash (Milles Teller em outra das atuação insuperáveis deste Oscar) precisa ser algo mais do um novo Charlie Parker para atender à tirania de seu maestro obsessivo, outro megalômano que poderia perfeitamente ser o protagonista (J. K, Simmons, fenomenal).
6. O pastor Martim Luther King, de Selma (David Oleyowo), como se sabe, quer nada menos que acabar com o racismo de séculos nos EUA.
O que talvez explique porque Boyhood e Grande Hotel Budapeste, sem protagonistas querendo salvar o mundo, não tenham merecido grande premiação da academia. O que não quer dizer que não sejam casos de megalomania, só que fora do enredo.
O diretor Richard Linklater se colocou a tarefa de sísifo de filmar o mesmo filme por 12 anos, juntando elenco, equipe e parafernália a cada ano para captar o amadurecimento real de seus personagens. Já Wes Anderson quis nada menos que contar uma história dentro da história de outra história sobre um velho escritor que procura um velho dono de hotel que quer contar sua história de concierge entre duas guerras, naquele tipo de alegoria carnavalesca que abusa do excesso de grandes atores.
Nos dois casos, é como se fossem eles, os diretores, também personagens querendo mais do que o extraordinário.
Se tudo isso diz muito sobre nós e o inconsciente coletivo que literatura e cinema traduzem, estamos ainda mais competitivos do que seria razoável. Superar barreiras, fazer sucesso, atingir a plenitude, não parecem mais suficientes. Precisamos ultrapassá-los.
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