Meio extraterrestre nesse negócio de futebol, me surpreendo quando desço à terra e vejo amigos torcedores tomando esse negócio de torcida única em campo, como nessa primeira final de Atlético e Cruzeiro pela Copa Brasil, como parte da paisagem ou mesmo regra do jogo.
E não pelo que verdadeiramente é: um caso clássico de colapso do sistema de segurança como de todos os outros sistemas institucionais da nossa vida pública.
Virou força do hábito em que não se distingue mais a culpa e não difere culpados.
É como o sujeito que é assaltado e, num instinto, perguntamos o que ele fez de errado: Parou onde não devia? Saiu em hora errada? Estava em má companhia? Reagiu? Numa tentativa de culparmos a nós mesmos e não o assaltante e o sistema que não o prende e o mantém preso.
Ou, como no caso das saidinhas de banco e do mafuá de leis que andaram fazendo para culpar o cliente e o banco ao invés do assaltante, a polícia despreparada e o sistema penal:
- Noticiou-se que aumentou o número de saidinhas de banco? Proíbe-se celulares dentro dos estabelecimentos.
- Não resolveu por que o assaltante decora a senha quando a pessoa digita? Reduz-se o horário dos caixas eletrônicos e encarcera-se o caixa num redoma de vidro.
- Continua não resolvendo? Crie-se uma campanha para conscientizar os correntistas, já que não se pode algemá-los.
Fazer jogos de futebol com uma única torcida ou, no máximo 10% da torcida do time visitante, é uma aberração que vai contra tudo que a humanidade construiu no mundo dos esportes desde que os gregos inventaram as olimpíadas para extravasar o instinto guerreiro inerente à alma humana.
É culpar a janela pela existência da paisagem, o sofá pela traição da esposa e o assaltado pela incompetência da polícia e do sistema penal.
Ou, enfim, as torcidas, os times e seus dirigentes pelo colapso da capacidade do sistema de prender, investigar, individualizar culpas e montar processos consistentes para manter preso.
E aparentemente inútil.
- Deixar 10% de torcedores à sanha de outros 90% não é pior?
- A violência que não ocorreria no estádio deixaria de acontecer no entorno ou a caminho de casa?
- Obedecer cegamente enfim a cortinas de fumaça como essa não mascara cada vez mais o problema real, a inoperância do sistema?
Que meus amigos e todos os outros torcedores continuem culpando mais a janela, o sofá, o assaltado e a torcida, me parece coisa de marciano. Quem é o extraterrestre aqui?
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