Scandal tinha tudo para arrasar e rivalizar com House of Cards em interesse e repercussão, mas afunda em suas boas intenções.
A série de 2012, escrita pela criadora de Grey’s Anatomy e outros sucessos da ABC, Shonda Rhimes, tem diálogos afiados, personagens apaixonantes, a produção esmerada de sempre dos seriados americanos e o apelo irresistível da trama de bastidor da Casa Branca. Com uma premissa genial.
A ex-consultora de comunicação e imagem do presidente dos EUA, Olivia Pope (a grande Kerry Washigton, que fez a escrava mulher de Django, de Quentin Tarantino), tem uma empresa de consertar deslizes de figurões da política e do show-bussiness – corrupção, sequestro, assassinato – antes que se tornem escândalos. Dura, implacável e de caráter em tudo similar ao de Frank Underwwod, o congressista inescrupuloso de House of Cards, comanda uma equipe de agentes sem limites morais. Ao mesmo tempo, toca uma relação amorosa mal resolvida com o próprio presidente, a quem, de vez em quando, também precisa aliviar da possibilidade de escândalos.
– Mas ela não é do bem – espanta-se uma estagiária, impressionada com seus métodos.
– Ela não é do bem, ela é a melhor – resume um dos subordinados sobre o que é a melhor legenda dos fins sem se preocupar com os meios da sua comandante.
O problema é que…
O problema é que, ao final de cada episódio, resolve ficar boazinha e moralista. Talvez pressionada por razões de mercado, covardia ou equivocadas opções dramáticas há muito superadas, a autora preferiu orquestrar sempre um final feliz, contra todas as evidências em contrário.
É emblemático o caso do primeiro episódio, em que ela ajuda um jovem republicano bonito e rico, herói de guerra, palestrante bem sucedido, a se safar da acusação de possível assassinato da namorada. Seu álibi, porém, é que na hora do crime estava aos beijos com um rapaz. O jovem belo e bem sucedido, protótipo do discurso conservador contra aborto, gays e outras minorias, pode ter sua carreira arruinada se descobrirem seu álibi.
Na vida real, na lama política de Washington em que habitam os personagens de Scandal, o mais natural é que uma empresa de gestão de crises lançasse mão dos recursos de manipulação à disposição para manter a mentira e preservar as aparências, sem deixar de salvar a carreira do rapaz. É assim que acontece.
Mas depois da ciranda em que põe seus espertalhões nos rastros das investigações, subornando policiais, peritos e membros do Judiciário, ela cai numa crise de consciência e vai recomendar ao moço que assuma sua opção sexual frente as câmeras. O que ele obedece, todo pomposo em seu uniforme da Marinha, em rede nacional.
Mais ou menos como se, no Brasil de Brasília, o petista André Vargas procurasse a agência de Olivia Pope para não deixar virar escândalo a descoberta de sua relação mal explicada com o bicheiro preso por lavagem de dinheiro. Depois da ciranda de investigações, ao invés de aconselhá-lo a usar suas artimanhas de manipulação e chantagem, como é comum no mundo político, ela o orientaria a ir às câmeras assumir a culpa e fazer um discurso de penitência e patriotismo.
Problema é a contradição
Tudo muito bonito, bem ajeitado, mas… irreal. E contraditório com o todo projeto da série e o caráter da personagem.
O mesmo moralismo vai resolver com final feliz outras questões de família nos episódios seguintes, em que um juiz indicado para a Suprema Corte tem que se confrontar com uma relação antiga com uma prostituta, um ditador latino-americano que quer recuperar a mulher que fugiu com seus filhos do restaurante, enquanto ele discursava na ONU.
Nenhum problema que personagens sejam bons e queiram mudar universos enlameados. Heróis tentando sair ilesos de mundos podres dão ótimos resultados dramáticos, como, para ficar em um só exemplo, o Capitão Nascimento de Tropa de Elite.
Só que a cara boa do personagem tem que ficar nítida desde a primeira hora. Fugiu disso, ou cai na contradição ou na inverosimilhança.
Deixe um comentário