Gosto de me perguntar o que eu faria no lugar do outro quando quero dissipar discussões ideológicas em campo minado, em que nenhum dos lados abre mão de suas convicções.
E se…
— Se minha casa fosse pichada, eu defenderia a arte da pichação?
— Se um blac block quebrasse meu carro, eu continuaria defendendo o direito de manifestação e de que não fosse preso?
— Se eu fosse entregar uma taça no Maracanã e 70 milhões de pessoas me vaiassem, como ocorreu com Dilma Rousseff, eu iria sorrir?
Com isso, talvez por um defeito congênito de jornalista romântico ou escritor crônico, tento restabelecer a dimensão humana dos envolvidos num conflito. Sejam fortes ou fracos, grandes ou pequenos, ricos ou pobres.
Então, se um míssil de separatistas argentinos, paraguaios ou uruguaios caísse na zona sul de Belo Horizonte, no bairro Lindéia ou lá pelos lados da Cidade Administrativa, onde os estragos seriam menores, seguido de outros, meu instinto de sobrevivência me levaria a defender um bombardeio ou uma invasão armada imediata do país vizinho.
Por questões humanitárias e de marketing, para evitar perder a batalha da opinião pública até mesmo dentro de casa, daria uma advertência e, se continuassem caindo, iria para o ataque.
Ainda por questões de marketing e RP, evitaria alvos civis. Redobraria os cuidados até o limite da defesa nacional se usassem populações civis como escudos ou utilizassem hospitais e escolas como bases. No limite, faria invasão terrestre para selecionar com mais precisão os alvos.
O marketing da vitimização
É o que eu faria no lugar de Israel depois que um míssil do Hammas caiu perto de Tel Aviv e outros vieram em seguida. Ao revidar, encontrou civis à guisa de escudos sobre prédios, bases de ataque ao lado de hospitais e mesquitas para, do jeito deles, fazerem o seu marketing. No caso, o da vitimização.
Claro que sofreria pelo efeito colateral das mortes e é infantil acreditar que Israel goste delas. Mas não se entra numa guerra e muito menos se atinge civis porque se quer. Como tudo na vida, há um ponto sem volta em que só é possível minimizar os estragos.
Depois, iria buscar entender as causas. Sobretudo, no que compete a meus interesses de comunicador: por que Israel já perdeu a guerra da comunicação, na imprensa tradicional ou eletrônica e nesse vietnã das redes sociais?
E a primeira resposta, entre tantas, me parece a da tendência atávica na humanidade de sempre achar que o lado mais fraco está com a razão. Mesmo que, no caso, não necessariamente.
Vem desde que os filisteus mandaram o gigante Golias descer a montanha e desafiar um guerreiro do Reino de Israel do outro lado, nos mesmos vales palestinos, há 3 mil anos. Desde então, construiu-se a fantasia de que os menores e mais fracos são pobres coitados capazes de superação. Mesmo que pode não ser nada disso: grandes têm suas fraquezas e os pequenos não são necessariamente vítimas.
A vantagem da desvantagem
No seu excelente David e Golias, sobre como tirar proveito da fraqueza, o grande repórter da New Yorker, Malcolm Gladwell, ensina que Golias era um guerreiro anacrônico em situação adversa. Tinha visão limitada por provável tumor na glândula pituitária e os gestos prejudicados por uma armadura de 50 quilos – túnica de escamas de bronze até os joelhos, escudo, capacete e lança – contra um jovem leve, ágil e treinado.
O jovem pastor fazia parte da retaguarda dos exércitos, atrás da infantaria e dos arqueiros, um grupo de fundibulários altamente experiente em manejar a funda. Nessa espécie de bolsa de couro ligada a uma corda por dois lados, colocavam uma pedra ou uma bola de chumbo e giravam a circunvoluções cada vez mais altas até soltar uma ponta e disparar o projétil com velocidade de até 34 metros por segundo e precisão de até 200 metros.
– Golias tinha tantas chances contra Davi quanto qualquer guerreiro da Idade do Bronze com uma espada teria contra um oponente armado com uma pistola calibre 45 – escreveu o historiador Robert Dohrenwend, citado por Gladwell.
Desde então, passando pelos gregos e os romanos, cada império a seu tempo é odiado: Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos. Mais recente e mais perto de nós, o capitalismo, a Coca-Cola, o Mac Donald´s, a Microsoft, o Google, a Rede Globo.
Combatê-los foi, desde sempre, o passatempo de quem tem algum arsenal intelectual e acesso a instrumentos de escrita ou outro tipo de comunicação. E incapacidade para se colocar no lugar do outro. Como tentam jornalistas isentos e candidatos a bons escritores, como eu.
E eu me colocaria no lugar do Hammas?
Sim, e entenderia suas razões para delimitar seu pedaço de terra colonizado por Israel e proteger sua população escravizada e expulsa de suas terras por tantas guerras. Mas se minhas ações implicassem numa guerra sem alvo que abatesse civis, eu não a começaria.
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