A presidente Dilma Roussef trocou um ministro por 1 minuto e 15 segundos de propaganda eleitoral, para atender o PR, e me lembrou de Tom Kane, o prefeito de Chicago em Boss (O Chefe).
Não por que seja mau como pica-pau, mas por ultrapassar todos os limites para se manter no poder.
Perto dele, os grandes homens maus dos seriados americanos – Tony Soprano de Os Sopranos, Nucky Thompson de Boardwalk Empire, Walter White de Breaking Bad e Frank Underwood de House of Cards – são uns anjos.
Inspirado em King Lear, de Shakespeare, sobre o rei que enlouquece depois de traído pelas filhas, ele faz o diabo para eliminar adversários e atingir seus objetivos depois que se descobre com uma doença neurológica degenerativa.
King Lear sem caráter, Kane atropela os meios
É o caso de seus correlatos das outras séries, que chegam naquele ponto da meia idade em que se descobrem com pouco tempo de vida e precisam apressar o passo para fazer algo urgentemente que marque suas existências, mesmo, que para isso, precisem contornar limites éticos em que a troca de um ministro é café pequeno.
Diferente deles, porém, Kane não tem aquele resquício de generosidade que dá o tempero humano aos grandes personagens shakespeareanos que também inspiraram os demais.
Elimina adversários a fala ou a bala, mantém subordinados em regime de terror e não tem remorso de usar para seus fins sem meios o que para os outros anti-heróis é sagrado e preservável a qualquer custo: a família. Mesmo no mais grosso lodaçal político, a família é o único limite que os adversários não ousam atravessar.
É o que talvez explique o fracasso de audiência da série, cancelada depois da segunda temporada, apesar de boa repercussão dos críticos, por conta dos tantos elementos de superprodução – grandes atores (o protagonista Kelsey Grammer levou o Globo de Ouro 2012), trama eletrizante, diálogos contundentes e as sensualíssimas cenas de sexo inevitáveis em cada episódio.
É bem possível que o público não tenha tolerado, como eu, o momento crucial da trama em que, precisando reverter um processo incontornável de desmoralização, não se intimida de entregar o familiar mais íntimo para o cadafalso da opinião pública.
Farhad Safinia, o jovem criador da série, corroteirista de Apocalypito, de Mel Gibson, tentou justificar o exagero meio fracassado com o argumento de que se trata de uma criação livre, sem vínculos com a realidade.
Dilma não é Kane, mas namora a perda de limites
Faltou-lhe humildade para admitir pouca maturidade para construir um personagem grandioso em suas misérias, daqueles que sacrificam os meios por um objetivo mais nobre, nunca a família, que o público ama odiar por sua força que não passa de um máscara de sua fraqueza oculta.
Nem de longe comparar Dilma com o caldeirão de maldades desse Lear sem caráter, mas é inevitável lembrar que seu governo volta e meia namora com a perda de limites para atingir objetivos que não parecem mais claros do que a mera ampliação do poder e da manutenção de seus cargos.
E em que a exibição de força fora de hora para atender aliados, maior do que o necessário, mais expõe que esconde sua fraqueza.
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