Há muitas formas de falar da inadequação no mundo, que constroem grandes personagens nas melhores jornadas de herói. Sobretudo na adolescência, quando a descoberta da sexualidade põe todos os hormônios a conspirar contra o mundo e a tirar grandes lições dele.
O diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche fez a opção mais difícil em Azul é a Cor Mais Quente (La vie d’Adéle), ao tornar em termos explícitos a iniciação sexual de uma adolescente com uma mulher mais velha, experiente e exótica. De cabelo azul.
Parece que não tinha essa intenção, a princípio. Que queria mesmo colocar duas mulheres belamente carismáticas se enroscando em cenas quentes, de até 7 minutos, como a primeira em que fazem tudo o que se pode imaginar que duas mulheres fazem na cama.
Mas, se tem um filme que fala de perto sobre esse mal estar no mundo, a busca por uma boia de salvação no primeiro olhar e o voltar para casa mais maduro, é este.
Nas entrevistas, fica claro que ele tinha mesmo essa intenção maior.
É um grande diretor que quis falar sobre a vida e chegou a exageros para arrancar interpretações do fundo da alma. As atrizes se queixaram de abusos em uma semana de filmagens da cena explícita de sete minutos, mas acabaram se rendendo à genialidade do resultado.
Que tem a ver com aquele toque de gênio que empenha todo o seu talento artesanal para construir algo absolutamente profundo em cima de algo absurdamente simples. É apenas a história da moça que encontra a moça, perde a moça e tenta recuperar a moça, mas com potência incomparável.
Diretor, roteirista e autor dos diálogos, ele toca a aproximação das duas com olhares, frases curtas, insinuações, toques, planos curtos, uma relação quase epidérmica com a câmera.
Constrói lenta e suavemente um clima denso entre as duas que não deixa dúvidas sobre o desejo construído quando a jovem chega ao ponto máximo de sua rendição:
– Vou te dar tudo o que eu tenho.
É simplicidade demais para tanta combustão.
Pena que não posso falar do final, que tem a ver com o jeito francês de fazer filme e muito com o projeto do diretor.
Um pequeno defeito, que também tem a ver com o jeito francês de ser prolixo, é o tamanho. Tantos outros filmes densos como esses não precisaram de três horas para contar a que vieram.
Uma outra de tantas virtudes é a escalação. A jovem heroína inadequada no mundo é um vulcão de desespero contido e linda como – já disseram – Brigitte Bardot na estreia. E a mulher madura que a conduz no seu aprendizado sexo-sentimental é uma força doce de autoridade, única capaz de disputar com a outra a preferência da câmera.
Química perfeita nas mãos de um alquimista genial.
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