Imagino José Dirceu comendo o pão que Joaquim Barbosa amassou, na sua primeira refeição nas dependências da Polícia Federal, 100 anos depois que Marcel Proust lançou a primeira parte de Em Busca do Tempo Perdido.
A história do sujeito que reconstrói toda uma existência a partir do cheiro e do gosto das madeleines com chá que a mãe lhe oferece num dia de inverno pode ser inspiração para o homem que teve vida de anti-herói épico, de pequenos, grandes e variados capítulos.
“Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena.
Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal.
De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligado ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde aprendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro nada demais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim.”
Os inimigos dirão que o ex-homem poderoso de Lula que comandou com mãos de ferro por 30 anos uma das mais poderosas máquinas partidárias do país não teria a grandeza épica do francês que deixou a principal catedral da memória ficcional para o mundo. Mas ele tem uma grande história para contar a partir das migalhas amargas que mastiga, sentindo-se injustiçado pelas traições da história.
Jovem líder estudantil com jeito de Ronnie Von que arrastou multidões de jovens em torno de uma ideia de salvação do mundo, preso, exilado, treinado para guerrilha, comerciante clandestino, amante de várias mulheres, encontrou um dia um líder operário que lhe serviu de trampolim para um obsessivo projeto de reformulação da sociedade, segundo suas crenças e suas vontades. Passou fome, comeu pães parecidos na primeira prisão – antes de ser trocado por um embaixador sequestrado pelos companheiros – e chegou a tomar vinho de 5 mil dólares e comer moças de televisão quando todos beijavam sua mão, no Palácio do Planalto.
Não é pouco, é muito assunto para um café da manhã. Que certamente ele desdobrará em novos cafés e novos pães tristes e amargos.
Primeiro, porque ele não parece aprender que a sociedade que ele quer reformar não parece querer ser reformada e que certamente não apoia o esforço que insiste em fazer para fortalecer seu partido à custa de ações suspeitas. Segundo, que ele não desiste nunca. Vai sair da cadeia com um livro, um discurso e renovada vontade de mudar o mundo que insiste em contrariá-lo.
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