Difícil entender a estratégia – ou a falta de – da Veja em continuar apostando contra hábitos velhos e novos. A revista vem optando por ser superficial no impresso e profunda no eletrônico, contrariando tudo o que se sabia e o que se sabe sobre hábitos de leitura.
As revistas de análise como ela cresceram por suprir com textos mais longos e analíticos a leitura de domingo, quando o leitor típico interessado em se formar aproveita para colocar em dia o que não pôde acompanhar durante a semana. E os sites de jornais e revistas em sua maioria optaram por entregar um resumo rápido para satisfazer a pressa dos hábitos modernos e empurrar o leitor para material mais denso se ele estiver disposto a clicar, rolar tela e pagar.
Pois a revista tem feito o contrário. Uma espiada nos dois índices, da publicação impressa e do site Veja.com, juntos em duas páginas iniciais, dá uma boa medida dessa opção.
O material impresso trabalha com um apanhado de fatos da semana em textos de poucos parágrafos e não mais que duas páginas, quando muito relevantes, alguns furos que não quer ceder para o site (como uma entrevista exclusiva de Rosemary Noronha, a amiga de Lula suspeita de tráfico de influência) e muita nota pequena para resumir numa frase alguns eventos relevantes.
Como o desvio de dinheiro público em que está metida a atriz Deborah Secco, na coluna Datas. Como a última pesquisa sobre a melhoria na capacidade de compra nas favelas ou o fechamento do instituto que teve cachorros roubados, reduzidos àqueles indicadores da coluna metida a engraçada SobeDesce. Ou como ainda as boas polêmicas da espionagem americana ou das biografias não autorizadas, circunscritas a frases da semana.
Para se ter uma ideia, toda a longa discussão sobre a degradação das contas do governo, que vem se esquentando no noticiário recente, foi tratada numa página de dois parágrafos e um infográfico. As raras e belíssimas fotos recém descobertas da revista Life sobre o carnaval e a posse de Getúlio Vargas, em 1951, também virou nota de chamada do site.
Alguma pretensão de profundidade se salva nas matérias de capa – cada vez mais voltadas para comportamento do que para ideias –, nas entrevistas das amarelas, nos artigos de colaboradores de peso, como Cláudio de Moura Castro, Maílson da Nóbrega, Gustavo Iochpe, Roberto Pompeu de Toledo e, agora, Lobão, numa ou outra resenha mais adensada de um livro ou um filme.
Já no site, segundo o índice, há extenso material sobre aconselhamento vocacional, uma discussão sobre o feminismo do século XXI a partir do livro da chefe do departamento de Operações do Facebook, Sheryl Sandberg, e a questão da pirataria moderna, suscitada pelo novo filme com Tom Hanks, Capitão Philips. Enquanto a revista impressa se atém ao lançamento de um livro e uma ou duas notas curtas de recomendação na página dos mais vendidos, o site analisa o aquecimento do mercado de literatura distópica, puxado pelo sucesso da trilogia Jogos Vorazes e o interesse de jovens de 14 a 23 anos por um mundo meio sem solução.
Quem clicasse no site nesta segunda-feira, daria de cara com o tipo de matéria longa e exaustiva de que a revista já não parece mais capaz ou interessada: a apatia da classe política diante do aumento da violência, que faz 50 mil vítimas de assassinato ao ano, mais do que em países em estado de guerra.
A revista impressa parece querer, enfim, ser factual, rápida, superficial sem ser fútil ou metida a funda sem ser chata. Uma mistureba esquisita de coisas grandes e pequenas, fundas e rasas, que revelam mais de esquizofrenia do que de estratégia editorial. E a eletrônica dá sinal de não ter medo de ser funda, densa e com pretensões de discutir tendências. Não à toa que tem articulistas de vocação discursiva, como Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, estranhos ao mundo dos 140 toques, dos parágrafos recheados de fotos e links.
Talvez esteja aí parte da explicação da queda do prestígio da revista, para além de suas apostas equivocadas num jornalismo militante e discursivo desde a posse de Lula. Ao não optar claramente por nem uma coisa nem outra, com sinais trocados, esteja contrariando os leitores de domingo que tinha sem satisfazer totalmente os da semana que quer conquistar.
Pode ser que esteja mirando um futuro que outras instituições jornalísticas não vêem ou não perseguem. Mas, até onde sei, o leitor em busca de informação de qualidade não quer só folhear revista no domingo e nem ler textos longos no computador.
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