De quantos segundos você precisa para decidir?
1. Brian Grazer, um dos maiores produtores de Hollywood, teve certeza que Tom Hanks era o ator perfeito para Splash – Uma Sereia em Minha Vida, nos primeiros dois segundos que o viu. “Ele tinha a habilidade de ser malvado de uma forma que era possível perdoá-lo”.
2. Vic Braden, um dos maiores treinadores de tênis do mundo, sabia que o jogador iria errar o saque e cometer falta dupla pela forma como jogava a bola para o alto e levava a raquete para trás. Não importava se ao vivo ou pela TV, homem ou mulher. “Eu acertava duplas faltas de garotas russas que eu nunca havia visto na vida”.
3. São os mesmos que um bom médico precisa para saber se um paciente cardíaco está prestes a cair de enfarto ou um competente vendedor de automóveis necessita para saber se a venda vai prosperar. Ou os dois curtos segundos que um jogador de basquete tem para esquadrinhar a quadra, analisar todas as possibilidades de jogada, processando uma infinidade de informações, e fazer o arremesso.
Você deve conhecer essa sensação. Aqueles dois segundos, não mais que isso, que você precisa para olhar na cara de alguém e saber que ele está mentindo. Ou para bater o olho no quarto de uma pessoa e formar uma opinião bastante confiável sobre ela, melhor talvez que alguém que a conhecesse por anos.
Esses dois segundos, produto da sabedoria da experiência e das muitas equações do inconsciente para produzir um julgamento instantâneo, pode ser tão eficiente quando aquela pensada e refletida após longa maturação e pode ser treinada.
É o que diz Blink – A Decisão Num Piscar de Olhos (ou O Poder de Pensar sem Pensar, no original americano), outro dos excelentes livros do extraordinário repórter da The New Yorker, Malcolm Gladwell.
Com seu jeito cristalino de alinhavar pesquisas acadêmicas e histórias pessoais cativantes, ele mostra como treinadores, médicos, generais, vendedores de carros, designers, atores ou músicos obtiveram sucesso utilizando, inconscientemente, o que ele chama de “fatiar fino”– a capacidade de perceber padrões de comportamento em movimentos sutis, fatias muito finas da experiência.
Ele se propõe a provar que o excesso de informação pode prejudicar o julgamento, como na ótima história que abre o livro.
O caso do monumento falso de US$ 10 milhões
No início dos anos 80, o renomado museu J. Paull Getty, da Califórnia, recebeu oferta de compra de um achado extraordinário – um kouros, estátua de um jovem nu de mais de 2 metros e 2,6 mil anos de idade, similar às cerca de 200 raríssimas existentes no mundo.
Por um ano e dois meses, o museu pagou especialistas, laboratórios e advogados para analisar a fundo a obra e a extensa documentação sobre sua origem, até se convencer de que se tratava de um kouros legítimo e pagar 10 milhões de dólares por ele.
A descoberta foi saudada em longo artigo para a revista The Burlington Magazine pela curadora de antiguidades do museu e sua primeira aparição pública, no final de 1986, saudada por uma chamada na capa do The New York Times.
Bastou porém um antigo diretor do Metropolitan Museum de Nova York, Thomas Hoving, bater o olho nela para concluir, em dois segundos, que se tratava de uma falsificação.
– Você já pagou por isso? – perguntou ao curador do Getty responsável pela compra. – Se pagou, tente recuperar o seu dinheiro. Se não pagou, não o faça.
O excesso de informação amplia o conflito de percepções e bloqueia a capacidade dos sentimentos instintivos de produzirem os julgamentos instantâneos. Não que um seja melhor do que outro. São tão eficientes tanto quanto, mas o apego cego ao excesso de dados para subsidiar a decisão pode, ao invés disso, embotar decisões ou escolhas criativas.
O livro é um compêndio de exemplos de erros de julgamento com base em excesso de pesquisas, como o de um cantor que nunca foi aprovado em pesquisas internas das gravadoras, embora arrastasse multidões (Kenna); o teste cego da Pepsi que levou a Coca-Cola a mudar sua fórmula e lançar um retumbante fracasso (New Coke) ou as pesquisas de grupo, que nos anos 60 desaconselharam o lançamento do seriado Mary Tyler Moore, que viria se transformar num dos maiores sucessos de todos os tempos da TV americana.
Porque há uma forma certa e outra errada de perguntar às pessoas o que elas querem, diz Gladwell, se não se levar em conta as múltiplas experiências que as fazem “fatiar fino” e reagir diante de um rosto ou de um rótulo.
– Porque na vida real, ninguém bebe Coca-Cola às cegas. Nós transferimos para nossa sensação do sabor de Coca-Cola todas as associações inconscientes que temos da marca, da imagem, da lata e até mesmo do inconfundível rótulo vermelho.
Decisão por instinto também pode ser treinada
As decisões tomadas por instinto, sob pressão de estados elevados de estresse, por resultarem também de outro tipo de excesso de informação, podem também, claro, ser equivocadas.
Gladwell conta o caso dos quatro policiais brancos que, no final da década de 90, perseguiram e mataram um imigrante inocente da Nova Guiné, no bairro do Bronx, em Nova Iorque, ao cabo de uma cadeia de avaliações erradas. A pressão das diversas informações em conflito diante de uma situação de medo – a tradição de envolvimento dos imigrantes com pequenos crimes, a cor do imigrante, o histórico de violência do bairro do Bronx, etc – conduziram a uma decisão equivocada que provocou protestos históricos no país.
Da mesma forma, porém, que é possível aprender a pensar de forma ponderada e lógica para se evitar erros de avaliação, esse tipo de decisão por instinto também pode ser treinado e fazer a maior diferença no seu marketing pessoal. Todos os grandes exemplos do livro mostram que é possível controlar e educar as reações instintivas, desde que se tenha consciência delas e se deixe espaço para que elas aconteçam.
Não precisa ser como Silvan Tomkins, um dos grandes psicólogos americanos e outro ótimo exemplo do livro, capaz de prever a vitória de um cavalo no hipódromo, analisando suas feições de binóculo durante a corrida. Certa vez apontou para os rostos de dois índios, de tribos diferentes e remotas, sem nenhuma informação de contexto, e garantiu que o primeiro se originava de uma tribo pacífica, e o segundo de uma violenta, com traços homossexuais. Estava certo.
No caso do produtores Brian Grazer, do treinador Vic Braden ou do diretor do Metropolitan, Thomas Hoving, eles não sabiam por que sabiam nos dois segundos iniciais, mas sabiam que sabiam. Para Silvan Tomkins, que treinou uma vida para pesquisar e entender como se fatia fino, esse saber instintivo chegava a ser natural.
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