No dia consagrado às mulheres, a mais poderosa organização conhecida, com ramificações internacionais, penso nos limites das mamografias e da razão humana para entender o que está se passando à sua volta.
Isto porque o governo decretou dias atrás que o exame passará a ter prioridade sobre o toque manual, como se fosse resolver todos os problemas de câncer de mama do país, média de 50 mil por ano.
E porque há uma confusão enorme no mundo para entender as razões da renúncia do papa, o fascínio resistente do socialismo suscitado pela presença da blogueira cubana ou a morte de Hugo Chávez ou, enfim, por que Bruno preferiu dar sumiço em Eliza ao invés de pagar-lhe pensão.
Tudo vago e impreciso como uma mamografia.
No início deste século, uma médica e epidemiologista da Universidade de Washington, Joann Elmore, submeteu 150 mamografias a 10 radiologistas sem informar que apenas 27 delas eram de mulheres que desenvolveram câncer.
Pois um deles detectou 85% de cânceres nas imagens, outro viu 78%, outro 37%. Um quarto considerou “densidade assimétrica focal” em metade dos casos e um quinto não viu nada disso. Uma delas, mais complicada, três radiologistas consideraram normal, três consideraram anormal mas com evidência de câncer benigno. Quatro ficaram em dúvida e só um admitiu a existência de câncer.
Mas a mulher dessa mamografia estava saudável, segundo Malcolm Gladwell, repórter da prestigiosa New Yorker, que levantou uma monte de evidências com as maiores autoridades no assunto para provar que mamografias são tão imprecisas quanto o exame de toque manual. Que deve ser exaustivo, da clavícula à base da caixa toráxica, à média de cinco minutos em cada seio.
Em seu ensaio “Mamografia, Força Aérea e Os Limites da Observação”, ele estava interessado em desmontar as ilusões em torno do poder das imagens para entender o que levou o governo de George Bush a confiar nas tênues provas de satélite sobre uma fábrica de destruição em massa para justificar a invasão do Iraque, em 2002.
– Poucos reflexos culturais são mais profundamente arraigados de que uma foto corresponde à verdade – diz, lembrando o que escreveram sobre o assunto Charles Rosen e Henri Zerner: “Que a fotografia não mente, nem pode mentir, é um dogma. Tendemos a confiar mais na câmera do que nossos olhos.”
Depois de alinhavar entrevistas com estrategistas em guerra e especialistas em diagnósticos de imagens, ele mostra como a infinidade de aspectos contraditórios nos sinais de calcificações no seio não garante qualquer certeza de diagnóstico.
Mais ou menos como o operador de raios-X do aeroporto, que intui que a massa cinzenta das 1.000 malas que passam diariamente à sua frente pode não ser uma bomba. Porque, baseado na sua experiência de que massas cinzentas dentro de malas não são bomba em 1000% dos casos e que nem é razoável abrir todas elas todos os dias.
A questão, segundo ele, é que a melhoria da qualidade dos equipamentos, como de fato ocorreu nos últimos anos, não ampliou em nada o que não resolvemos – a capacidade de entender o que está sendo visto.
Para os médicos, os pontos, as manchas, as aglomerações, as densidades, os sinais ao longo de ductos do seio e todas as evidências em branco em contraste com o negro da gordura ou dos músculos podem ser ou não câncer. Em sendo, podem ser malignos ou não. Ou signifiquem que não vão prosperar. Ou, pior, cânceres de verdade podem nascer no intervalo entre uma e outra mamografia.
Como eu, como nós, que continuamos a não entender nada do que vai se passando nesse mundo confuso, apesar da ampliação dos instrumentos de análise – os jornais, a TV, a internet, as redes sociais, as câmeras fotográficas capazes de centenas de cliques por minuto tentando nos fazer crer que o choro de Bruno é sincero ou as multidões atrás do cortejo fúnebre de Chávez estão certas.
Porque talvez, como nos seios femininos, é preciso tocar pra ver. Sendo médico ou não.
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