Steven Spielberg mudou o cinema a partir dos seus quatro primeiros filmes de sucesso, entre meados dos anos 70 e inicio dos 80: Tubarão, Contatos imediatos de Terceiro Grau, Os Caçadores da Arca Perdida e ET. Inspirou uma geração de imitadores de seu jeito insuperável de recuperar o suspense, a ação e o encantamento feito de choro e riso que se haviam perdido desde os filmes de matinê, de décadas antes.
Não mereceu nem um Oscar por isso e foi de certa forma esnobado pela crítica por fazer filmes divertidos mas sem aparente profundidade. Foi então fazer filme adulto como que – é a minha tese, sem base científica – quisesse ser levado a sério.
A Cor Púrpura, de 1985, sobre uma menina violentada pelo pai, abriu uma linhagem de dramas pesados, longos, entupidos de diálogos e esvaziados de ternura. Mesmo sem fugir de seu tema recorrente, do filho que chora e o pai não ouve, parecia querer expiar alguma culpa histórica em nome da coletividade: a perseguição aos judeus em A Lista de Schindler (1993), a escravidão em Amistad (1997), o horror da guerra em O Resgate do Soldado Ryan (1999) e Cavalo de Guerra (2011), o terrorismo político em O Terminal (2004) e Munique (2005).
(Teve uma ligeira recaída, embora politicamente correta, com Parque dos Dinossauros, de 1993, mas seu infantil Minority Report, de 2001, sobre um menino robô adotado por uma família que perde o filho, beira o sombrio.)
Lincoln é dessa linhagem pesada. A história do maior dos presidentes americanos, que acabou com a guerra civil e viabilizou a emenda pelo fim da escravidão contra a vontade da maioria, se assenta basicamente nos diálogos que empurram as negociações políticas. É frio e seco, como se o diretor temesse carregar a mão em qualquer emoção que pudesse pegar mal entre os críticos. Mesmo nos embates do presidente com a esposa que não quer ver o filho na guerra. Só encanta no prazer natural de ver Daniel Day-Lewis mesmo calado, um assombro de segurança e autoridade apesar do corpo curvado, cansado e envelhecido.
O clímax que poderia render maior drama – o assassinato do presidente num teatro depois de ter acabado com a guerra – é tratado numa cena burocrática, sem choro, sem vela, sem funerais, sem multidões. Como no teatro, em que a fala se sobrepõe à ação, o que importa para o diretor e o roteirista de mão pesada (não por acaso dramaturgo, Tony Kushner, autor de Angels in América) é o discurso do estadista para as próximas gerações que se sobrepõe a qualquer sentimento mundano.
Em outros tempos, sem maiores culpas, Spielberg teria carregado no drama e divertido mais.
Mais do que um Oscar, merece um Nobel por sua contribuição à arte cinematográfica desde que colocou a plateia de coração na boca em Tubarão. Mas sinto uma falta danada de seus filmes de matinê.
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