Alan Cumming faz em The Good Wife um marqueteiro pragmático, se isso não for redundância, com um grau de realismo que beira a cinismo. No espisódio clímax da segunda temporada, ele precisa convencer a boa esposa (a maravilhosa, nunca é demais lembrar, Julianna Margulies) a dar uma entrevista em rede nacional. Tem que usá-la para dissipar as dúvidas sobre a harmonia conjugal com o marido, o candidato à reeleição para a Procuradoria-Geral (Chris Noth) que ele assessora e que a havia traído num caso de grandes repercussões.
O problema é que, com tanta mágoa repreendida pelo marido traidor e interessada em deixar a família e os filhos fora de toda a lama da campanha, a grande esposa resiste a se exibir publicamente.
Para piorar, o marido da adversária, Scott Wendy-Carr, uma negra irretocável de família modelo, havia dado uma entrevista junto aos filhos, com ótima repercussão. Desequilibrava o jogo ao confrontar seu lar estável com o do ex-procurador preso na primeira temporada por mentir sobre suas traições com uma prostituta.
– Seu marido é melhor do que Wendy Scott-Carr – apela o marqueteiro, enfim.
– Por quê? – ela quer saber.
– Porque ela é mais idealista do que prática, e o mundo devora os idealistas. Seu marido não será devorado.
Por várias outras razões, ela acaba concordando em ir à TV e é treinada por ele numa simulação cheia das malandragens típicas desse tipo de profissional. Ela está preocupada em ser sincera, mas ele a aconselha a ser preocupar mais com a forma do que com o conteúdo.
– Isso é uma performance, um show, e você é a grande esposa.
– Mas…
– Eu sei, eu sei. Mas as pessoas não ouvem, elas assistem. E elas querem te ver tranquila, calma, amável.
Quando ela chora de verdade, ao falar dos filhos, ele respeita, mas não deixa de fazer seu serviço.
– Ok. Emocionante, mas não muito, por favor.
Pensando no que há de espetáculo nas campanhas eleitorais, principalmente lá onde se gasta dinheiro sem limite em nome da liberdade de expressão, fico tentado a achar que o desempenho dramatúrgico de Barack Obama na passagem do furação Sandy por Nova Iorque foi bem mais determinante para sua vitória que todas as análises demográficas, raciais, econômicas, políticas e sociais que os jornais estão trazendo.
Primeiro, porque foi um presidente pífio. Não cumpriu boa parte de suas promessas – fechamento de Guantânamo, regularização da documentação de imigrantes, isenção fiscal para algumas faixas de renda e redução de emissões de gases do efeito estufa – e fechou o primeiro mandato com aumento do déficit, do arrocho e do desemprego (7,8%, marca com a qual nenhum presidente fora eleito até então). Só não saiu-se pior porque acabou comparado com o antecessor George Bush, cuja gestão chegara àquele ponto de que, pior do que estava, não podia ficar. Qualquer melhora aí, como o plano de saúde universal ou um pouco de mão firme no Orienta Médio, soou como saída do fundo do poço.
Segundo, porque ganhou raspando a trave, uma diferença de menos de 400 mil votos no eleitorado de 20 milhões de quatro estados decisivos: Flórida, Ohio, Virgínia e Colorado. Se é verdade que ganhou votos decisivos de negros, latinos, mulheres e jovens, é bem verdade que perdeu também decisivos em faixas de brancos em que obtivera apoio em 2008. Pode-se dizer, sim, como vem sendo dito, que os jovens, latinos, mulheres e negros lhe deram a vitória. Mas talvez fosse mais correto dizer que, por margens tão pequenas, eles não evitaram a tragédia da derrota.
(Não concordo com o tipo de comentário, a la Arnaldo Jabor, que ele representa a reação da América negra, pobre e latina contra a elite branca, rica e atrasada. Se assim for, dada a mestiçagem crescente da América, pode-se esperar que os democratas ganharão para sempre? Não. Lá, os dois lados costumam mudar de opinião.)
Terceiro, porque lá as disputas para valer se dão nos estados, onde o arranca-rabo entre Democratas e Republicanos anda no fio da navalha e a disputa presidencial acaba meio a reboque. Nunca é demais lembrar que, desde sempre, estados e cidadãos acham que presidente bom é o que mais ajuda quando menos atrapalha. Onde cada federação anda com as próprias pernas, o papel do presidente acaba meio figurativo. E o melhor que ele faz é sair dando força para desabrigados e para os governadores que, estes sim, têm que resolver os problemas.
Com margens tão débeis, pequenos erros ou acertos de encenação podem fazer toda a diferença. Obama, mesmo tendo a seu favor o fato de que nove em 10 presidentes americanos sempre se reelegem, vinha afundando depois de uma participação sofrível no grande debate transmitido no início de outubro. Chegou ao final do mês cavalgando uma das campanhas mais apertadas à reeleição, perdendo votos à direita e à esquerda, entre brancos e negros.
Salvou-o o furacão, que o pôs abraçando e beijando velhinhos país afora, na posiçao privilegiada de comandante-em-chefe preocupado com os filhos da pátria. Como o 11 de setembro de 2001 havia feito pelo prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, fotografado entre os escombros com uma jaqueta amarela que virou modelito referência de prefeitos, governadores e presidentes acompanhando catástrofes no mundo inteiro (a de FHC era bege).
O mesmo furacão que fez alguns estragos no show do adversário Mitt Romney, de quem se levantou que havia sido a favor de cortes de recursos da agência nacional de prevenção de catástrofes.
Nem demografia e nem a economia.
– Isto é uma performance, um show, estúpido, e você é o grande presidente – poderia dizer Eli Gold, o marqueteiro na pele de Alan Cumming.
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