De tempos em tempos, a revista Veja abre uma capa para tratar da violência no Rio de Janeiro.
Em 1981, ela já decretava o Rio num estado de guerra civil. Em 1990, destacava a onda de sequestros como o “pesadelo carioca” que se refletia na degradação da cidade. Em 1994, estampava explosões numa favela para discutir uma eventual intervenção do Exército e, daí em diante, várias outras de momentos simbólicos da falência da autoridade carioca – chacinas, abate de helicópteros, crianças chacinadas ou arrastadas pelas ruas.
Em 2009, a silhueta de um rifle formado por um rastro de cocaína e uma nota de 50 reais em forma de um canudo, sobre um fundo preto, ilustrava a matéria sobre 14 verdades inconvenientes que dificultariam o combate à criminalidade na cidade. Um oficial vestido de Rambo, em 2010, punha em destaque o desafio final de ocupar as favelas.
Pois na última semana, São Paulo teve 72 assassinatos, maior do que a média mensal de Ciudad Juarez, do México, o mais letal centro de tráfico do mundo, e atingiu a marca de 90 policiais assassinatos por traficantes apenas neste ano. Em setembro, teve 102% mais de assassinatos do que o mesmo período do ano passado. Nem o Rio, em seus momentos mais dramáticos e nas capas mais impressionantes, chegou a tanto.
E a revista, o que fez? Publicou uma página com três parágrafos e uma foto elogiosos à ação da Secretaria de Segurança Pública paulista, a cuja eficiência atribui o desencadeamento da vingança dos bandidos. Salvo alguma restrição a abusos da Rota, nenhuma palavra sobre a série de omissões do governo paulista que levou a cidade a um estado de calamidade que, se fosse no Rio, já teria merecido muitas capas.
É um problema da Veja? Não.
Fora a revista Istoé, que se alongou em dados estarrecedores sobre a escalada da violência e as omissões do governo paulista, os grandes veículos de comunicação do estado entraram o domingo, quando se espera que os assuntos de relevância da semana sejam debatidos, como se o problema não fosse com eles.
As revistas Época e Carta Capital ignoraram olimpicamente os defuntos às suas portas e as capas do Estadão e da Folha deste domingo preferiram destacar assuntos menos urgentes – além do Enem em ambos, os planos do PT para a classe média paulista, no primeiro, e a possível falta de gasolina no final do ano, no segundo.
A questão da violência parou como destaque no sábado, quando ambos anunciaram o acordo da presidente Dilma com o governador Alckmin para minorar o problema. Ambos com destaques menores do que o dado pelo O Globo, do Rio. O jornal carioca dedicou quase toda a sua primeira página ao assunto e avançou sobre os planos do governo paulista de ocupar as favelas. Muitos anos depois do Rio.
Tem alguma coisa muito errada quando um jornal do Rio se estende mais sobre um tema dessa dimensão para os interesses de São Paulo do que seus próprios jornais.
A omissão dos colegas da imprensa, como a do governo paulista, a uma epidemia de violência seguramente mais grave do que no resto do país, foi percebida pelo veterano e sempre indiscutível jornalista Janio de Freitas. Em sua coluna desta semana na Folha de S. Paulo, espaço de resistência respeitado embora restrito, bateu duro:
– É recente a abertura de espaço na imprensa rica de São Paulo para ocorrências criminais e problemas da segurança paulista e, mais ainda, paulistana.
Disse que o sensacionalismo leviano no Rio de Janeiro atrapalhou os esforços de ação governamental e contribuiu para arrebentar com a imagem da cidade, mas que…
– Em São Paulo, a longa omissão jornalística, por mera vaidade provinciana, deixou sua contribuição para a insegurança continuada, ou mais do que isso.
Infelizmente, ele não usou sua experiência e competência para se aprofundar nas causas dessa omissão, além do que chamou de “vaidade provinciana”. Quero crer que talvez não possa se aprofundar, sem o risco do juízo apressado, nas simpatias de parte do baronato da imprensa local pelos governos do PSDB e em causas sociológicas mais fundas que remontam à arrogância de uma elite quatrocentona de nariz empinado para os problemas sociais como se fosse coisa de gente menor.
– Não é conosco.
Ou:
– Isso é coisa do Rio de Janeiro.
Ou ainda:
– Isso é coisa de selvagens como os cariocas.
Deve haver muitas explicações para o fenômeno que me desafiam, me intrigam e me excitam. Mas parece que vou ter que aguardar que jornais ou revistas de outros estados venham me fornecê-las.
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