Na quarta-feira 20 de maio de 1992, Pedro Collor de Mello desceu do avião em São Paulo e foi escoltado por um emissário da revista Veja até a sede da Editora Abril, na marginal Tietê. Os editores não queriam correr risco diante da operação de guerra que o governo do irmão mobilizara, envolvendo correligionários, amigos, cunhados, irmãos e até a mãe, para intercedê-lo e evitar que ele desse a entrevista.
– Você vai se ferrar – disseram-lhe há dias. – Os jornais vão publicar essa sua história um, dois três quatro dias, no quinto se cansam e você vai ser desmoralizado e, quem sabe, até preso por desacato ao presidente da República.
Sem desfazer as malas, atravessou a madrugada de quarta para quinta-feira regravando para o diretor de Redação Mário Sérgio Conti e os editores Thales Alvarenga e Paulo Moreira Leite os termos da entrevista que dera ao repórter Luís da Costa Pinto, em Maceió, na véspera.
Nos últimos meses, vinha ameaçando denunciar a sociedade de extorsão e desvio de dinheiro público do presidente da República com o ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o PC, convencido de que o próprio irmão patrocinava a montagem de uma rede de comunicação em Alagoas, tendo PC como testa de ferro, para competir com os veículos da própria família, as Organizações Arnon de Mello. Chegara a trancar num banco em Miami duas fitas VHS com detalhes das falcatruas, a serem divulgadas pela mulher Theresa Collor, caso tivessem consequência as ameaças de morte que vinha sofrendo.
Há duas semanas, havia passado à revista uma batelada de documentos recolhidos em Miami que sugeriam a remessa ilegal de dinheiro dos dois para paraísos fiscais. Agora, porém, queria falar mais, de drogas na juventude, magia negra na casa do presidente e seduções em família, de que fora vítima sua própria esposa.
A gota d’água que lhe pusera a caminho do depoimento que detonaria a República e provocaria o impeachment do irmão, quatro meses depois, fora a decisão de sua mãe, que ele sabia ser a mando dele, de destituí-lo da direção das empresas de comunicação da família. Fora o mais duro golpe dos 20 anos a que se dedicara para manter de pé o patrimônio contra todas as ameaças externas e internas, principalmente os gastos perdulários do caçula que fora candidato a prefeito, governador e presidente da República.
Por boa parte da quinta-feira, submeteu-se a uma bateria de exames neurológicos com três psiquiatras da Escola Paulista de Medicina, patrocinados pela revista. Precisava de um atestado que desse legitimidade às suas declarações e servisse de contraponto às acusações de insanidade alimentadas pelo governo e utilizadas pela própria mãe para destituí-lo. Só isso justificaria a guerra que ele vinha abrindo na imprensa contra o irmão, a maior e mais jovem promessa do Nordeste na história política do país.
Mas enquanto recebia o diagnóstico de uma lesão vascular sem importância na região parietoccipital direita, que o mataria dois anos depois, o ministro-chefe da Secretaria de Articulação Política, Jorge Bornahusenn, chegava à sede da revista. Iria tentar um armistício ou, pelo menos, tomar conhecimento do conteúdo das denúncias previstas para a edição de domingo, a tempo de dar fôlego ao governo para reagir.
Elegante, em nenhum momento o ministro pediu qualquer censura. Como os editores resistiam a antecipar qualquer informação, ele foi relacionando possibilidades do que os editores teriam na entrevista gravada, na expectativa de que lhe dessem algum indício do que estava por vir.
– Vocês têm corrupção?
– Temos.
– Vocês têm drogas?
– Temos.
– Vocês têm sedução?
– Temos.
– Vocês têm rabo?
– Como, ministro?
– É rabo… homossexualismo, têm?
– Não, não temos.
O ministro voltou à Brasília sem poder fazer nada, mas a entrevista passou a correr sério risco de não sair por ameaças internas. Na noite de quinta, seus advogados Paulo José da Costa Júnior e Arruda Sampaio, sobre pilhas de livros jurídicos e da Constituição, o advertiram para o risco de ser preso assim que a revista fosse para as bancas. O argumento era a “exceção da verdade”, instrumento segundo o qual acusações ao presidente da República não poderiam ser feitas mesmo diante de provas materiais. E Pedro, sem nenhuma prova objetiva, falava apenas de coisas que vira, ouvira ou presenciara.
– Se você continuar atacando o presidente da República, vou ter que visitá-lo na prisão. Você prefere ser um mártir ou continuar livre e lutar para incriminar PC? A escolha é sua – lhe disse Paulo José.
Pela manhã de sexta, estava atordoado e também convencido por seus últimos apoios – a mulher Theresa, a irmã Ledinha e Barbosa, um velho amigo da família. O advogado recebeu autorização para negociar com a revista a suspensão da publicação de todo o conteúdo da entrevista ou, pelo menos, a supressão dos trechos que continham acusações ao presidente. Os advogados estavam sobretudo preocupados com as acusações de que o presidente ficava com 70% do produto dos roubos e Paulo César Farias, 30%.
Como os editores se recusassem a dar acesso à transcrição, os advogados reforçaram as ameaças e Pedro Collor acabou cedendo mais. Deu-lhes uma procuração com poderes para o que fosse conveniente. O repórter Luís Costa Pinto ainda bateu boca com o advogado Paulo José, mas uma a ação já estava em curso no foro do bairro Santana.
No fim da tarde, porém, num telefonema para Pedro, o diretor de Redação Mário Sérgio Conti colocou as coisas nos seus devidos lugares. Como o irmão do presidente alegava o peso da imensa pressão emocional que vinha sofrendo, de advogados e familiares, o diretor bateu duro:
– Se você desautorizar a publicação, não teremos outra opção a não ser publicar uma reportagem dizendo que você está realmente está louco, que concedeu uma entrevista, gravada, e depois a desautorizou alegando perturbações emocionais.
Seria o fim. “Percebi que, se seguisse o conselho do advogado, estaria fazendo o jogo do Fernando, além de ficar desmoralizado”, escreveu em suas memórias prestadas a Dora Kramer, meses depois do impeachment . “Resolvi, nessa hora, correr o risco de ser preso em nome da preservação de minha integridade moral. Afinal, dissera tudo aquilo à revista, e não poderia desmentir”.
De seu lado, a maior revista do país também precisava manter a sua integridade. Não poderia deixar de dar uma informação de que tinha posse, absolutamente relevante para o país, nem assumi-la por contra própria sem o testemunho do autor das denúncias. Muito menos, certamente, colocar tais denúncias na boca de terceiros.
Naqueles tempos, ainda não era de praxe tornar públicas denúncias sem que houvesse quem as assumisse, como a revista viria a fazer 20 anos depois, em circunstâncias semelhantes, com o operador do escândalo que, também a seu modo, detonou a República.
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