O mensalão tem sido desde sempre uma prova dura para o jornalismo de Veja. Na obsessão de cobrar punição para os líderes do novo “maior crime de corrupção da história do país” (desde Collor que ela vem chamando todos eles de “maior”), escorrega para determinados tratamentos que vai contra tudo o que os jornalistas aprenderam na escola.
Na quarta-feira, sua reportagem cercou Marcos Valério na porta da escola em Belo Horizonte, onde todos os dias ele vai levar o filho de 11 anos. A ponto de informar quantos exatos minutos faltavam para o início da aula (7). Em seguida, entre quarta e quinta, postou com destaque em seu site que o empresário será preso. Na matéria de capa que vai às bancas neste fim de semana, reforça que, dadas as condenações até agora no STF, que somam mais de 100 anos, corre o sério risco de passar o resto de sua vida na cadeia.
É o mote para informar que ele vem tendo crises de pânico, está magoado mais do que nunca com a cúpula do petismo que teria lhe negado proteção e está disposto a entregar provas de que o ex-presidente Lula comandava as negociações do escândalo. O problema é que tudo é informação de terceiros – conhecidos, amigos, associados (?).
Quer dizer: a revista esteve com ele, deve tê-lo abordado ou tentado uma conversa e, não conseguindo, preferiu ou teve que buscar informações com terceiros. Em cima dessas informações de terceiro nível, ela encontra base suficiente para afirmar o que sempre desconfiou mas ainda não teve como provar.
O problema é que, pelo chargão do meu tempo, isso não dava matéria.
Ora. Se alguém me diz que tem uma prova grave, que pode arrebentar com a reputação de alguém, mas não a mostra, ele pode estar blefando por algum tipo de chantagem que eu não posso comprar. Sob pena de estar sendo cúmplice. Há uma lenda, já citada em matéria de Veja, segundo a qual o publicitário teria até bilhetes de Lula autorizando-o fazer pagamentos. Se ele não os mostra, eles não existem e não podem ser usados como prova em qualquer tribunal, muito menos em jornalismo sério.
Se não dá para cair no papo da fonte primária, muito menos de secundária. A opinião de terceiros no caso poderia servir até para um panorama do estado psicológico do réu do mensalão na iminência de ser preso. Mas isso não dá assunto para mais do que uma referência numa matéria sobre o processo, uma nota na coluna Radar ou, vá lá, uma página de revista, preferencialmente a do tipo Caras ou Contigo.
É crível que possa ter havido encontros entre Valério e Lula e que, dadas as operações em curso à epoca, eles não se destinavam a churrasco, jogo de baralho ou reza. Mas isso já é sabido, já foi citado e continua sem provas e confissões dos diretamente envolvidos que justificassem uma matéria de capa.
Do jeito que coisa andou, a revista deixa uma série de brechas a serem preenchidas por provas que ela não tem ou que dependem da boa vontade de quem está lhe vendendo uma matéria incompleta. “Olha, ele tem isso tudo e, se a coisa não mudar, ele ainda pode entregar o chefe”. E se não liberar, como é comum quando as fontes não estão mais interessadas na chantagem?
Fica a sensação para quem é do ramo de que a revista negociou mercadoria ruim com uma fonte que ainda resiste, por vários motivos, a entregar o que vendeu. “Olha, eu não posso aparecer agora – costumam dizer fontes assim. – Vocês dizem que meus amigos disseram e, conforme for, se tudo der certo, eu libero o resto”. É confiar demais, em indicios muito frágeis, para colocar em risco a reputação alheia.
Já, se a revista tem algo que possa mostrar, que comprova o que diz, já deveria ter feito ao invés de colocar na boca de terceiros. Não era assim no meu tempo. Não foi assim que eu aprendi na escola.
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