Uma bela cacetada esse Animal Tropical, de Pedro Juan Gutierrez. Um escritor dividido entre uma prostituta cubana e uma executiva sueca, o espírito livre de uma e o jeito reprimido da outra, transitando entre o centro degradado de Havana e as ruas limpas de Estocolmo.
Meio autobiografia, em que não se sabe onde começa e termina a verdade, trata do próprio Pedro Juan Gutierrez, um animal de espírito e trânsito livres nos salões literários do mundo, que, ao se apaixonar pela despudorada Glória, deixa bastante claro onde prefere ficar. É do universo de ladrões, prostitutas e proxenetas da cidade em ruínas que ele tira/tirou o material bruto – e lírico – para seus grandes livros: Trilogia Suja de Havana e O Rei de Havana.
– Diante de nós, Havana molhadinha, sofrendo com o vento e o salitre. Havana arruinada, caindo aos pedaços. Ama-se uma cidade quando ali se foi feliz e se sofreu. Quando se amou e se odiou. Quando se ficou sem um centavo no bolso, batalhando pelas ruas, para depois se recuperar e agradecer a Deus por tudo não ser uma merda. Se não se tem história onde se viver, a gente é como um grão de pó voando no vento.
Não é para crianças e espíritos sensíveis, porém. Não se vira uma página sem que se leia um palavrão ou a descrição crua de uma cena malabarista de sexo. O homem que se sabe um animal tropical exótico pelos olhos do mundo busca seu espaço, sua individualidade e talvez sua forma de resistência num erotismo explícito, para horrorizar os desprevenidos.
Nas mãos de um amador, talvez passasse por pornografia de baixa qualidade ou uma forma sutil de defender o regime cubano, na medida em se deixa subentendida a ideia de que se pode – pelo do ponto de vista peculiar dos escritores – ser mais livre em Cuba do que na Suécia. E é bem possível que viva sem ser incomodado na terra de Fidel Castro por causa desse discurso sub-reptício. Mas aqui se trata de um grande escritor, a quem não se pode fazer acusações fáceis.
Animal Tropical é a caminhada do anti-herói sem lugar no mundo, procurando entender a razão da existência, aquele lugar íntimo e intraduzível de afirmação que independe do espaço físico.
– Não consigo separar artificialmente o que faço e penso daquilo que escrevo. Se estivesse em Estocolmo, minha vida talvez fosse lenta, monótona, cinzenta. A única coisa que posso fazer sempre, em Estocolmo, em Havana, onde for, é construir meu próprio espaço. Não posso esperar que ninguém me dê a liberdade.
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