Reinaldo Azevedo foi o pior adversário intelectual que o PT e o lulismo poderiam ter e o mais esclarecedor que o país poderia ter tido.
Começou sua saga diária contra os dois já no início do governo Lula, quando as contradições de seus líderes ainda não estavam no plano das ideias e não haviam ainda se traduzido em desvios de recursos públicos para manter uma ideologia.
Foi no programa Manhattan Connection, em que fazia dobradinha célebre com seu então amigo e também potente inimigo em comum do lulismo, Diogo Mainardi, que o vi colocar as bases de seu ideário e de sua missão.
— Podem me chamar de direita — me lembro de ter dito, advogando a necessidade de não se ter medo de defender uma direita democrática que fizesse contraponto às distorções do nascente discurso da esquerda no poder.
Intelectual sofisticado, conseguiu o milagre de obter ressonância popular com quase ensaios longos de tom um tanto panfletário, sem ceder a simplificações e suas convicções. Chegou a mais de 18 milhões de visualizações no site de Veja, naquele outubro de nossas maiores refregas eleitorais, o de 2014.
Criou a expressão “petralha” e a máxima de que o partido “elevou a corrupção à categoria de pensamento”, na medida em que passou a relativizá-la como meio para atingir a burguesia com seus próprios instrumentos.
Natural que embarcasse na missão higienizadora da Lava Jato. Mandou bem, na mesma linha, até a prisão de Marcelo Odebrecht, em julho de 2015, quando passou a acusar os procuradores de certo tipo de messianismo contra as garantias individuais e coletivas de presunção de inocência. Por razões que ainda estão por ser estudadas, deu um cavalo de pau que transformou do dia para a noite aliados antigos em inimigos figadais e vice-versa.
Como é natural, atraiu a simpatia da militância petista. E um catálogo de novos inimigos, em cujo topo figura o mesmo Diogo Mainardi de tantas lutas, que resumiu suas discordâncias a seu jeito às vezes reducionista num tweet: “vai dar a bunda, Reinaldo”.
Para mim, cuja única restrição a seus textos eram ser longos demais, me pareceu que apenas levava às últimas consequencias sua vocação um tanto suicida de nadar contra a corrente, sem abalar a coerência de seu discurso pela legalidade e sua reputação de imparcialidade.
Até ontem, porém.
Jornalistas cuidadosos
Sua aproximação com a tentacular Andrea Neves, que chegou à troca de afinidades sobre poemas de autores mineiros, conforme as gravações liberadas pelo STF no pacote de documentos da delação do dono da JBS, pode ter avariado sua capacidade de isenção.
Não tanto por seus últimos textos que namoram perigosamente com a defesa de Michel Temer e Aécio Neves, na intenção de atacar a benevolência dos procuradores com o criminoso que foi morar em Nova York e Rodrigo Janot por confundir obstrução de justiça com o direito de um senador de divergir sobre projetos em andamento.
Mas porque a aproximação excessiva com fontes, e sobretudo fontes com potencial de comprometimento com desvios, sempre foi um grande problema que jornalistas mais tarimbados ou — vá lá — mais cuidadosos evitam.
Muito para não serem usados com a segurança do anonimato, que é muito comum, mas para não serem cooptados.
A Veja mesmo viveu um caso complicado no seu próprio staff, o do editor-chefe Policarpo Júnior, que manteve uma relação de oito anos com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Não se pode negar o benefício das delações em off de Carlinhos Cachoeira, que o ajudaram a desmontar quadrilhas e negócios através das páginas da revista. Até onde se apurou, suas relações nunca extrapolaram o limite do trabalho jornalístico.
Mas é claro que a proximidade o fez fazer vista grossa aos negócios de uma fonte duvidosa que acabou investigada numa CPI, em 2012, por uma série de crimes que era impossível que o repórter nunca tivesse conhecimento ou de cuja existência pelos menos desconfiasse.
Um jornalista da velha guarda disse certa vez que, de políticos sedutores mas de potencial perigoso como Antônio Carlos Magalhães, José Sarney ou mesmo Tancredo Neves, era preciso manter uma distância suficiente para não perder a fonte mas também para não começar a prestar-lhes serviços. De forma clara ou dissimulada.
Aécio Neves sempre foi um cooptador talentoso, que jornalistas tarimbados e/ou cuidadosos deveriam manter equidistância. Já vi muito jornalista de grande jornal batendo duro nele até o dia em que foi convidado para um drinque e o tratamento mudou visivelmente.
Não é que jornalistas e políticos sejam necessariamente venais, mas antes seres humanos sujeitos aos códigos de educação e respeito que se refinam com a proximidade. Claro que se escreve com mais cuidado sobre quem se conhece de perto e com quem se toma um drinque no fim de tarde.
Que pode produzir um tipo de parcialidade injusta até mesmo com a fonte.
Ou o jornalista publica o que é de seu interesse, por gratidão, ou contra seu interesse para se passar por isento. Pode carregar a mão de um lado ou de outro e ser injusto nos dois. Com a fonte ou com ele mesmo.
No fim, estabelecida a relação, já se passou a ponte onde fica difícil continuar defendendo o senador Aécio Neves contra os excessos das interpretações da Lava Jato, ou relevando as gravações de seu envolvimento com Joesley Batista, enquanto ouve a irmã Andrea Neves declamar poemas de Cláudio Manoel da Costa.
Divulgada a relação, vai ficar sempre dúvida se ele estaria defendendo ou atacando Aécio para preservar sua reputação ou delimitar suas afinidades com a irmã. Ou, se é tão ético quanto transparece, por que não pediu antes demissão da revista que, segundo as gravações, divergia.
Isenção jornalística
Amo a profissão, mas nunca achei que eu tinha frieza suficiente para trair para o bem ou para o mal as fontes que cultivassem, algo essencial na carreira como saber apurar e escrever bem.
Minha tendência foi sempre procurar um recanto em que pudesse me dedicar mais à edição, à formatação criativa dos textos, à cozinha do jornal, que à reportagem. Uma certa covardia para defender minha missão à distância, a golpes de gramática. Uma vocação mais de escritor que de repórter, mais preocupado com o perene do que com o transitório.
Em meu mundo ideal, não deveria haver sigilo da fonte. Ou ela tem coragem para colocar o rosto e seus interesses em praça pública ou não usa intermediário para fazer sua denúncia.
Mas reconheço que ela estimula a vigilância da sociedade mesmo sob o risco controlado de destruir reputações. Como o sigilo judicial.
Os jornalistas que pedem liberação absoluta do conteúdo das delações premiadas — e hoje não podem reclamar de que liberaram áudios que expuseram um jornalista e sua fonte — deveriam pensar melhor nisso.
O sigilo judicial, como o da fonte jornalística, pode servir a interesses, mas também precisa de controle e responsabilidade para proteger reputações.
newar diz
“Em meu mundo ideal, não deveria haver sigilo da fonte. Ou ela tem coragem para colocar o rosto e seus interesses em praça pública ou não usa intermediário para fazer sua denúncia.” – Ramiro Batista
Com uma opinião dessa não me estranha que nunca fora jornalista de verdade.
Achar que uma fonte tem que mostrar a cara é no mínimo desconhecer a vida real e o perigo que esses correm de fornecer uma informação de dentro do mundo do crime.
Vai ser editor o resto da vida.
aloisio santos de sá diz
Porque não se escreveu este texto, ou algo parecido, quando ele falou sobre as divulgação dos grampos da Dilma, do Lula, da dª Marisa. porque só agora?
Claudio diz
Em se tratando de qualidade na apuracao, cuidado com a informacao e embssamento pouquissimas vezes vi alguem como o Reinaldo.
Rubem diz
Reinaldo Azevedo esta longe de ser um grande jornalista. Perdeu sua credibilidade quando abandonou os fatos e passou a advogar cegamente a causa de seus “amigos”.
Veja se engrandece com sua saida.
JLT diz
Depois de toda a ‘babação’ que vc escreveu sobre o ‘cara’, pondero que:
1- ele escreveu: ‘uma agressão a uma das garantias que tem a profissão.’ e ‘o sigilo da conversa de um jornalista com sua fonte é um dos pilares do jornalismo’
Existe sigilo de fonte para jornalista que faz entrevistas e informa, NÃO PARA OPINAR!
2- escreveu também: ‘Pergunto: essas questões que você levantou para mim, posso colocar como se fosse resposta do Aécio?’ comprovou ser sem caráter, mentiroso e manipulador dos leitores e opinião pública!
3- Pediu demissão: foi um ato muito ‘apropriado’ pois quando um funcionário fala contra a empresa que trabalha, é motivo de justa causa!
4- Pra você raciocinar, RAMIRO: O que falta para jornalistas entenderem sobre garantia constitucional? pensar nos parâmetros dela ou ‘cria-los’?
5- Ramiro, é nesse ‘fantástico’ jornalista que você ‘baba ovo’?
6- Por favor publique meu comentário!!!