A capa da Veja deste fim de semana traz o ex-presidente Lula e o juiz Sergio Moro como dois gladiadores preparados para o enfrentamento do século.
No miolo, contrapõe os desvios de Lula a deslizes de Sergio Moro — a liberação dos áudios das conversas do ex-presidente fora do prazo, a exigência de sua presença nos depoimentos de 87 testemunhas — depois de dizer que a libertação de José Dirceu pelo STF vai “higienizar” a Lava Jato de seus excessos. Em nenhum momento, entra nas circunstâncias políticas que envolvem os ministros que o soltaram.
Longa matéria no Uol, o site de notícia e entretenimento da Folha de S. Paulo, repete a pretensão a partir do título: Lula e Moro ficarão frente a frente: veja os principais embates entre os dois.
Aqui, o redator é mais cruel com Moro, lembrando os áudios, o caso das 87 testemunhas e a foto em que o juiz aparece rindo involuntariamente numa foto ao lado do senador Aécio Neves. Ao contrapor seus métodos ao dos seus oponentes, chama de bate-boca as advertências do juiz contra as chicanas dos advogados.
Já se sabe que um dos principais tipos de injustiça é tratar diferentes de forma igual. No jornalismo, o pior tipo de parcialidade é dar o mesmo status a personagens diferentes de situações diversas para colocar todo mundo no mesmo saco.
Como na famosa frase sobre o PT, “o partido errou quando disse que era diferente dos outros e erra agora quando diz que é igual a todo mundo”.
Moro não é igual, similar ou equivalente a Lula e nem está no mesmo pé de igualdade. Ele também não bate-boca com advogados. Ele é o juiz que vai julgar um cidadão acusado de crimes a partir da denúncia do Ministério Público, segundo a ordem constitucional.
Uma ilustração mais correta para a capa de Veja seria talvez o juiz — em pose de imperador, vá lá — empunhando a espada e a balança da Justiça contra um Lula acuado, num plano superior a ele, como manda a ordem institucional que coloca um juiz acima e não ao lado dos investigados.
Tratar em condições iguais e atribuir ares de arena política ao que é uma audiência de acusado chamado a dar explicações, um confronto entre quem é acusado de cometer crimes e quem o julga, é claramente fazer o jogo que interessa à militância e nada tem a ver com imparcialidade jornalística.
Mais grave que a parcialidade involuntária, é o indicativo de que a politização do julgamento pela militância de Lula conseguiu ressonância nas redações desses dois veículos.
Jornalismo e política
A Folha cresceu a partir dos anos 80 em cima de um equilibrismo do tipo ventilador na farofa, contra tudo e todos, com tendência a colocar todo mundo sob suspeita, até prova em contrário. Que resultaria em olhar com desconfiança tanto Lula quanto Moro, polos de duas vertentes políticas com seus respectivos interesses.
Seu DNA é de uma pegada à esquerda que nunca atrapalhou sua pluralidade. De uns tempos para cá, porém, ao traduzir a parcialidade de seus incontáveis colaboradores de esquerda recrutados nas universidades paulistas, acabou passando a impressão de ter mais boa vontade com Lula do que com o resto.
Seus colunistas mais destacados têm mais trânsito com ele do que com o governo Temer, por exemplo. É a única publicação do chamado establishment jornalístico onde é possível ler colunistas acusando Sergio Moro de fazer o jogo de um partido ou de um golpe. Quando não o dizem textualmente, fazem malabarismos verbais para deixá-lo em posição suspeita com o tipo de comparação entre diferentes.
Para ficar num exemplo mais quente, o de ontem, o doutor em Sociologia de Oxford, Celso de Rocha Barros, diz que os dois representam duas bandeiras que deveriam convergir: a da justiça social que ele representaria, a da Justiça contra a corrupção, papel de Moro. Seriam duas figuras iguais, com as mesmas condições de contribuir para o país.
Não fosse bastante, recentemente seu instituto de pesquisa, o DataFolha, incluiu Sergio Moro num dos cenários de disputa eleitoral para presidente da República. Algo absolutamente fora de cogitação, a não ser dentro de uma concepção de torná-lo parte do jogo político.
Difícil dizer que a Veja tenha boa vontade com Lula, depois da militância que empreendeu contra os dois governos petistas, que por acaso custou caro à sua credibilidade. Não porque não tivesse razão, mas porque não deu conta de competir com a militância barulhenta que, pela primeira vez, contou com redes sociais.
A partir da posse de André Petry na diretoria de Redação, em fevereiro do ano passado, abandonou a militância e, sem deixar de expor as mazelas do esquema de corrupção que grassou nos últimos anos, recuperou certo equilíbrio e compostura.
Mas deixa entrever, aqui e ali, o DNA de seu novo diretor, conhecido e saudado como “progressista” à esquerda e à direita. Diogo Mainardi, que conhece bem sua formação e as estranhas da revista, disse por ocasião de sua posse que o PT havia ocupado a revista:
— Considero irônico que o PT tenha assumido o controle da Veja num momento em que tanto o PT quanto a Veja caminham para a extinção.
Petry é bem capaz de pautar, redigir e editar uma matéria como a da capa e produzir comparações inteligentes que favoreçam suas convicções mais fundas, sem deixar de parecer imparcial e sem bater de frente com medalhões de corredor da instituição, que ainda escrevem artigos vociferinos contra Lula, como Augusto Nunes e José Roberto Guzzo.
Discurso político
Pode ser que os militantes do lulismo nesse país revirado pelo avesso acusem os veículos que não caíram nesse discurso — Estadão, O Globo, Época e Rede Globo, para ficar nos mais influentes — de também fazer política. Seriam a direita do partido de Moro.
E, se me lêem, devem me acusar também de preferir a Veja de Eurípedes Alcântara que a de Petry, a Folha do tempo que apenas punha ventilador na farofa. E de também pertencer ao partido de Moro.
Minha militância, entretanto, é tanto quanto possível contra qualquer tipo de manipulação, exposta ou camuflada, voluntária ou involuntária. Até onde minha limitada capacidade de análise enxerga, não vejo nesses quatro veículos mais conservadores espaço para esse tipo de relativização e comparação perigosa.
Até onde suas limitadas capacidades de imparcialidade vão, não caem na conversa de que os julgamentos da Lava Jato são políticos. E procuram não deixar dúvidas sobre do que realmente se trata a audiência desta quarta-feira:
Um ex-presidente é acusado de receber propina, o Ministério Público e a Polícia Federal reuniram um caminhão de indícios que justificam sua convocação, e ele vai à presença do juiz se explicar.
Há neles o que também acredito: uma explícita defesa das instituições que nos regem, sob a qual operam juízes como Moro, que também nos cabe defender, gostemos delas ou não.
Cristiano Marques diz
Comentar todo o escrito acima é muito difícil mas, analisando a situação, dois personagens se destacam mais como torcedores: Deltam Dallagnol e Diogo Mainardi.
O segundo é free-lancer, já o primeiro, extrapola. Torce demais.
eu hein? diz
Se meu endereço de email não será publicado, pra que o querem? pra mandarem spans e lixos?
Jose Pedro diz
Temos de separar as instituições das pessoas. Quem vai julgar o corrupto é a justiça na pessoa do juiz Moro.
Já fui assinante de Veja e leitor da folha, hoje não mais. Acabou a credibilidade.
valdir diz
Explico: é que o grande jornalista, Luiz Nassif – tá no youtube -, contou sobre umas tretas ocorridas na APAE de Curitiba, algo em torno de 450milhões de verba federal, tendo a doutora como advogada.
valdir diz
E aí! Dá para falar um pouquinho da advogada, mulher do Moro.
Daniel Santos diz
Parabéns pelo comentário! Mas ainda acho que você poupou, com muita elegância, diga-se de passagem, a parafernália política que o PT e sua militância colocam nas redes sociais e, consequentemente, no país. Agora é chegada a hora dos silenciosos cidadãos honestos, que não têm a capacidade de rebaixar o diálogo, botar literalmente a boca no trombone! É inadmissível que em pleno Século XXI, tenhamos pessoas livres de opinião para defender um dos maiores criminosos políticos da história deste Brasil. Por isso, como cidadão de bem. Ressalto que o Brasil precisa mudar o modo de pensar política, para que não afundemos ainda mais no abismo dos comunistas aloprados.