Pode uma compra de carteiras escolares colocar em risco um sistema de democracia no sistema escolar de um estado?
Pode.
Se eu fosse um dos líderes de sindicatos de defesa do magistério e do sistema educacional mineiro, como o Sind-Ute, eu convocaria greve geral, pelo que representa de, para usar uma palavra de que gostam, “retrocesso” no sistema de gestão compartilhada com as escolas.
O busílis é uma licitação de R$ 276 milhões para a compra de 1,5 milhão de carteiras, de um fornecedor de Cuiabá. Deputados da oposição e procuradores do Ministério Público suspeitam de superfaturamento (o dobro do que vinha sendo praticado) e direcionamento para empresas recém-criadas e de fora do Estado.
Nenhum dos acusadores atentaram porém para o problema da centralização das compras que põe fim a um modelo de descentralização construído a duras penas no governo Hélio Garcia, no início dos anos 90 do século passado, parte de um projeto muito maior de autonomia das escolas.
Democratização
A descentralização das compras foi uma das questões centrais do processo de democratização que tinha como seu carro chefe a eleição das diretoras da escola, que só foram possíveis graças à persistência de técnicos brilhantes, liderados por um secretário de Educação visionário, Walfrido dos Mares do Guia, e um governador com pretensões de estadista.
Só muita garra, determinação e uma visão de longo prazo despreendida dos interesses de curto prazo poderiam dobrar a resistência da quase totalidade dos deputados, que indicavam as diretoras, e de altos interesses políticos e empresariais que ganhavam com o volume de compras, quase sempre perdulário.
Uma das técnicas brilhantes e obsessivas da época, a superintendente Dirce Bernardes, que fez a dobradinha do bem com Mares Guia e capitaneou o processo na área de compras, lembra de ter encontrado nos depósitos da Secretaria alguns disparates como 5 mil filtros de água apodrecendo.
A cena, emblemática da leniência administrativa e dos riscos de centralização num sistema mastodôntico de então 6 mil escolas, deve ter servido de inspiração para pôr fim a um tipo de descalabro que era primo-irmão do sistema de escolha das diretoras pelos deputados.
Líder do governo na Assembleia, à época, o já falecido deputado Agostinho Patrus contou certa vez a crônica de idas e vindas de convencimento, de reuniões excruciantes no Palácio das Mangabeiras. O governador, obcecado com a ideia de seu jovem secretário de Educação, não cedia um milímetro aos apelos dos deputados.
Ouvia muito, conversava pouco e batia na mesa quando precisava. Mais ou menos assim:
— Vocês se virem lá. Conversem, reúnam, façam o que quiserem. Mas eu vou fazer isso, com vocês ou sem vocês.
Para quem como eu conhece o metabolismo da Assembleia Legislativa, onde trabalhei por 35 anos, e a resistência dos parlamentares quando se toca no único patrimônio de que dispõem em sua atividade, a troca, é coisa de epopeia. Trabalho de Ulisses.
Cálculo político
Pois é esse processo que o governador Fernando Pimentel achou por bem atacar, no ano passado, quando retirou de todas as escolas o ato aparentemente banal de comprar carteiras.
Nem considero que possa haver outros interesses, como falam seus acusadores, de trocas menos republicanas. E pode ser que ele e sua equipe tenham informações de que a compra descentralizada também tinha os seus problemas e seus desvios.
Sim, mas eventuais desvios foram incluídos no cálculo quando se optou por transferir as compras no varejo para as Caixas Escolares.
Como bem previu Mares Guia e Hélio Garcia à época, era melhor reconhecer a possibilidade de pequenos desvios aqui e ali que a comunidade próxima combate. Uma diretora corrupta é mais facilmente descoberta e combatida pela comunidade escolar.
Pior era a certeza dos grandes desvios que poderiam ocorrer nas mãos de uns poucos técnicos e políticos mancomunados com um único fornecedor.
Quando nada, corria-se o risco de outra vez entupir os depósitos do Estado de inutilidades, como merendeiras, apagadores e os filtros de água que assustaram Dirce.
É esse o nó.
Os sindicalistas do Sin-Ute bem que poderiam pensar no assunto.
Celso Alves Campelo diz
O reconhecimento ao importante papel de Walfrido dos Mares Guia à frente da educação em Minas Gerais não é apenas do jornalista e blogueiro Ramiro Batista. Revistas como Veja e Exame, por meio de colunistas como Cláudio Moura e Castro e João Batista Oliveira, destacaram os grandes avanços ocorridos neste setor em Minas Gerais após o governo Hélio Garcia. As avaliações do MEC dos anos que se seguiram também demonstram o enorme avanço pelo qual Minas passou graças ao projeto revolucionário e visionário implantado a partir de 1991. A autonomia escolar, a criação dos colegiados escolares, as eleições diretas de diretoras, a capacitação de professores e as avaliações do ensino começaram ali. Leiam esse texto do insuspeito jornalista André Lahoz, na revista Exame:
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/711/noticias/licao-de-casa-m0051168
Lucas diz
Meu deus!!!
Como as colunas políticas da imprensa de MG são péssimas!
Mas de fato há muito tempo não lia uma coluna tão ruim.
O colunista-maniqueísta endeusa Walfrido Mares Guia, sem qualquer senso crítico em relação às várias denúncias de corrupção.
“Visionário”….
Augusto Veríssimo diz
Onde estava o sr. Ramiro nos absurdos produzidos na educação de Minas pelos desgoverno dos senhores Aécio é Anastasia? Quanto ao jovem secretário Mares Guia nós mineiros o conhecemos bem: proprietário de escola particular no comando da educação pública. É o lobo tomando conta do galinheiro. Sem falar na engenharia montada para o mensalão tucano, o início de todo o esquema que afundou o país. Senhor Ramiro, chegas a ser patético!
arpad diz
Mares Guia??? honestíssimo, que o diga o mensalão mineiro
uma pena, talvez a iniciativa tivesse sido boa, mas de onde partiu………
Mario diz
Uma piada essa coluna. Durante mais de 10 anos o jornal escondeu os desmandos e arbitrariedades dos tucanos. Chegando a criminalizar as greves dos professores. Agora falam em fim da democracia. Será que uma compra por registro de preço unificado para todo estado não reduziria o custo?
Gustavo Aguiar diz
Será esse o modelo que se diz “democrático” que me deixava juntamente com meus colegas sem carteiras para estudarmos durante a gestão Aécio Neves em escola de BH? Que texto mais sem nexo, onde não vi vantagem alguma nessa descentralização da licitação, apenas para tirar a culpa do governo diretamente(Sec. da Educação) e transferir para os diretores(que nos anos do PSDB eram eleitos em processo totalmente sem transparência podendo ficar anos sem sair do cargo).