Na sexta e na terça-feira últimas, a Folha de S. Paulo inaugurou a estratégia de hora marcada para anunciar os resultados da pesquisa Datafolha para a eleição presidencial. No caso, 19h e 17h45.
Ao invés de me dar a informação que já tinha disponível, informou que eu deveria aguardar e estar diante de sua plataforma de vídeos, TV Folha, na hora marcada, se quisesse ter acesso aos dados e análises de seus repórteres e analistas.
Na hora marcada, por problemas técnicos possivelmente provocados pela pressão da demanda concentrada, o download não aconteceu, a imagem não apareceu e tive que recorrer aos sites de O Globo e da Veja. Esperava, como acabou ocorrendo, que tivessem visto o vídeo e feito o serviço de publicar em texto que o jornal de São Paulo demorou a me dar.
É o terceiro tiro no pé do maior e mais respeitado jornal do país, que havia feito a primeira e mais competente transição do jornalismo impresso para o eletrônico, ao abrir todo o seu conteúdo e filtrar o acesso a conteúdo exclusivo.
Recentemente, ele chegou a
1. proibir o internauta de cortar e colar trechos de suas matérias para compartilhamento nas redes sociais,
2. disponibilizar um aplicativo pesado a ser carregado a cada vez que se tenta acessar o seu site de notícias.
Três maluquices que não atentam contra apenas a tradição da indústria do jornal impresso e de leitores mais velhos como eu, acostumado a texto e informação na hora, sabendo que ela existe. Mas a tudo o que já se sabe como comportamento de navegação da nova geração que frequenta as redes sociais e as plataformas móveis, tablets e smatphones.
O que, como e onde
Esse novo leitor/telespectador está mais interessado em vídeo, sim, curto de preferência, porque lê cada vez menos e ignora cada vez mais jornal, rádio, TV. Mas o que menos quer é hora marcada. Sua principal referência é o Netflix, que está evaporando assinaturas de TV a cabo por lhe permitir ver o que, como e quando quiser. Como o próprio nome diz, on demand, por demanda, quando, como e onde.
Ele é cada vez mais infiel e multicanal. Corta e cola trechos, fotos, títulos e vídeos para redistribuir para os amigos nas mais variadas redes e, segundo esta matéria da própria Folha, não espera mais de 5 segundos para que um site seja carregado. É senhor de seu tempo e de sua vontade:
1. Tentar enfiar-lhe um aplicativo arrastado vai empurrá-lo para outro site.
2. Obrigá-lo a digitar textos para compartilhar um conteúdo, ao invés de apenas cortar/colar, vai mandá-lo procurar a informação disponível, de forma mais fácil, em outro click no Google.
3. E, por fim, obrigá-lo a cumprir horário, o fará a fazer o que eu, já nem tão jovem como ele, fiz: acessar outro site com a informação que sei existir disponível.
A Folha parece ainda ignorar os problemas técnicos decorrentes da pressão da demanda concentrada e que a imposição de horário não aumenta a audiência. Apenas concentra no mesmo espaço a que ocorreria a qualquer momento do dia, segundo a disponibilidade e o comportamento do usuário. Como aliás ela mesmo vem provando, detentora do recorde impressionante de 300 milhões de páginas vistas em setembro por mais de 27 milhões de visitantes únicos.
Por quê?
Como que o jornal que primeiro informatizou sua redação e se antecipou a todas as tendências de modernização do jornalismo caiu numa estupidez dessa?
Minha tese é que teve uma recaída no desespero que vinha acometendo a indústria jornalística de tentar transpor seu velho modelo de negócios para adequar a nova ordem à sua imagem e semelhança, ao invés do contrário.
Exemplo mais emblemático e estapafúrdio foi o de querer obrigar o mercado a pagar pelos banners de anúncio em seus sites o valor fechado que cobrava em suas páginas impressas, sem comprovação de audiência e eficácia. Na nova ordem de mensuração imediata, os anúncios são disponibilizados em todos os sites pelo Google, segundo a afinidade do internauta, e o anunciante só paga se o banner for clicado.
Veja meu artigo sobre o esgotamento desse modelo >>>
Agora, na origem dos tiros no pé, está a tentativa de controlar a distribuição do conteúdo e a agenda da audiência. O que afundou a TV tradicional, está tornando a TV a cabo obsoleta e o jornal impresso peça de museu. Se bobear e se a Folha insiste, afunda também a mal nascida e bem vinda onda dos vídeos jornalísticos.
Renata diz
Oi, Ramiro! Não sabia que a Folha também tinha apelado para a “estratégia” de impedir que o internauta copiasse trechos de suas matérias. Se eles soubessem o quanto isso é frustrante, repensariam essa prática. Outro grande grupo que fez isso foi o Estadão. Achei o fim da picada!