Detesto senhas. Sou parcimonioso no uso delas. Resisto a fazer novo cadastro de qualquer serviço que me obrigue a criar uma nova. Pelo bom motivo de que senha é o único bem de primeira necessidade para o qual não encontro um lugar seguro onde guardar, a não ser entre as minhas sinapses.
Que, depois de certa idade, como se sabe, começam a dar pane. Não adianta virem com argumento de que há algum sistema robusto de criptografia onde eu possa centralizar todas elas, porque, ao fim e ao cabo, vou precisar de outra senha para acessá-lo.
Isto não impediu que, segundo o mais recente levantamento na ponta do lápis, eu acumulasse um arsenal de 57 senhas, construídas em menos de dez anos de vida digital. Todas, surpreendentemente, ativas e indispensáveis. De banco, concessionárias de água, luz, telefone, provedor de internet, cartões, companhias aéreas, jornais, revistas, sites especializados de compras diversas (de livros e dvds), provedor de internet, tela de usuário do computador, tela de usuário do celular, rede sem fio, contas do Facebook, do Twitter, do Linkedin, dos diversos serviços do Google, dos logins do Gmail, do Hotmail e da instituição onde trabalho. Fora as de sites que perderam a importância ou de serviços que fui cancelando. Por absoluta necessidade, completei o quadro há cerca de dois meses com o cadastro indispensável numa rede de hotéis e, claro, no Uai.
Como telefones e cartões de crédito, gostaria de não tê-las. Quase sempre me passam a sensação de chave para um mundo de problemas e tempo desperdiçado, na guerra sem vitória com os callcenters , nas leituras exaustivas sem objetivo definido ou nos contatos superficiais com amigos virtuais, para não perder a rima. E embutem a insegurança permanente de que, a qualquer dia, se outra pessoa não invadir meus dados, eu possa perder tudo o que foi registrado nesse universo e me sentir pelado e sem carteira de identidade, sem saber por onde começar minha reconstrução.
Não me venham falar também em backups e muito menos no conceito de nuvem, essa maluquice com que tentam me convencer de que meus dados ficam seguros no ar, como os colibris e os aviões de carreira. Para meu espírito antiquado, máquina de escrever, xerox e mimeógrafo, um dia tudo se perde ou, mais provável, eu não me lembre mais a senha com que possa recuperá-los.
Por isso, nesse fim de semana, tomei a decisão radical de comprar uma caderneta propriamente dita, de papel e capa dura, em condições de ser manuseada, embrulhada e guardada em local seguro. Talvez num cofre, sem senha, claro. Começo nela a inscrever todas os meus algoritmos, como espécie de seguro contra a adversidade, uma planta básica para a reconstrução de minha identidade ou o DNA com que pretendo deixar para os meus descendentes, como Brás Cubas, o legado de minha miséria.
Ou de minhas neuroses, caso algum estudioso da Psicanálise perceba nelas certo tipo de patologia digno de estudo. O que não deve ser muito difícil.